Decisão da 8ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo condenou a Municipalidade de São Caetano do Sul a pagar R$ 30 mil de indenização à família de um bebê de dois meses que recebeu vacina vencida no posto de saúde. De acordo com o processo, a criança apresentou inchaço na perna e choro intenso após ser vacinada. Precisou ser levada ao hospital e passou por vários procedimentos.

O relator da apelação, desembargador José Jarbas de Aguiar Gomes, afirmou em seu voto que competia à municipalidade e seus agentes zelar pelos medicamentos dirigidos à população, especialmente quanto à forma de armazenamento e validade. “A profissional de saúde responsável pela aplicação da vacina deveria se certificar acerca das condições do medicamento ministrado, o que à evidência, não ocorreu.”

Os desembargadores Rubens Rihl Pires Corrêa e Leonel Carlos da Costa também participaram do julgamento. A votação foi unânime.

 Apelação nº 0002023-19.2013.8.26.0565

 FONTE: Notícias do Tribunal de Justiça de São Paulo – www.tjsp.jus.br

ACORDÃO:

 RESPONSABILIDADE CIVIL Dano moral. Vacina vencida ministrada em criança de dois meses de idade que apresentou quadro de choro intenso e inchaço na perna, tendo sido levada a Hospital e submetida a vários procedimentos médicos, inclusive coleta do líquor. Conjunto probatório que permite aferir, com a certeza necessária, a ocorrência do nexo causal entre o fato lesivo e os danos suportados. Sentença de improcedência reformada. RECURSO PROVIDO, com observação. Trata-se de ação ordinária ajuizada por “C. C. E. e R. DE F. E.\” contra a “PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO CAETANO DO SUL” objetivando a indenização pelos morais suportados em decorrência dos infortúnios decorrentes da ministração de vacina vencida em sua filha de 2 meses de idade. A r. sentença de fls. 129-132, cujo relatório se adota, julgou improcedente a ação e condenou os autores no pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa.

Inconformados, apelam os vencidos pleiteando a reforma do decisum (fls. 136-139). O recurso foi recebido e processado em ambos os efeitos (fls. 141), sobrevindo as respectivas contrarrazões (fls. 143-145). É o relatório. O recurso comporta provimento.

  Com efeito, mostra-se incontroverso o fato de que a filha dos autores, à época com dois meses de idade, foi levada ao posto de saúde e recebeu a vacinada vencida contra “Rotavirus”. Descrevem os autores que após a vacina ter sido ministrada, a menor apresentou quadro de choro intenso e inchaço na perna, tendo sido levada ao Hospital Beneficência Portuguesa, em São Caetano do Sul, submetendo-se a vários procedimentos médicos, inclusive coleta do líquor. No entanto, não conseguiram identificar a causa daqueles sintomas. Pois bem. Ao contrário do que afirmou o MM. Juízo a quo, o conjunto probatório coligido permite aferir, com a certeza necessária, a ocorrência do nexo causal entre o fato lesivo e os danos morais suportados pelos autores, mormente porque competia à Municipalidade e seus agentes zelar pelos medicamentos dirigidos à população, especialmente quanto a forma de armazenamento e validade. Aliás, a profissional de saúde responsável pela aplicação da vacina deveria se certificar acerca das condições do medicamento ministrado, o que, à evidência, não ocorreu.

 Outrossim, a perícia realizada às fls. 113-117 não descartou a possibilidade de reação da vacina vencida, pois atribuiu “provável” quadro de reação à aplicação da vacina tetravalente, ministrada na mesma data. No mais, em que pese ter respondido unicamente os quesitos da Municipalidade sem se pronunciar quanto ao dos autores, respondeu à pergunta: “6 Em relação à vacina de Rotavírus, com validade vencida, existe a possibilidade de eventos adversos graves?” (fls. 97) Resposta: “Não temos conhecimento de tais evidências” (fls. 117). Esclareça-se, por necessário, que a ausência de conhecimento pelo “Expert” de “evidências” quanto às reações de vacina vencida aplicada a criança com dois meses de idade, não elide o dever da ré de provar, de forma incontestável e suficiente, que o infortúnio não decorreu do seu ato.

 É assente na doutrina e na jurisprudência que “tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por esse ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, em sentido estrito, esta numa de suas três vertentes — a negligência, a imperícia ou a imprudência — não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço” que, entretanto, “não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro” (RE n° 382.054/RJ, 2ª T., rel. Min. Carlos Velloso, j. em 3.8.2004). Assim, diante da patente previsibilidade do risco e omissão do dever de cuidado da Administração e do agente de saúde, restou demonstrado o nexo de causalidade necessário à obtenção do pleito de indenização por danos morais. Sobre o tema, lembra Sérgio Cavalieri Filho, que: “(…) só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia, desequilíbrio em seu bem-estar.

 Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos” (Programa de Responsabilidade Civil, 5ª ed. rev., aum. e atual., São Paulo: Malheiros Editores, p. 98). Curial, pois, a reforma da r. sentença, a fim de condenar a apelada no pagamento das custas e despesas processuais eventualmente desembolsadas, bem como a reparação por danos morais aos autores, no importe de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), atualizados monetariamente e com a incidência de juros de mora, a partir da intimação deste v. acórdão. Por fim, fixam-se os honorários advocatícios em favor da parte autora no montante de R$ 2.000,00 (dois mil reais), nos termos do artigo 20, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil, atualizados nos mesmos moldes do que o pleito principal. Isto posto, dá-se provimento ao recurso, nos termos retro especificados. Sem prejuízo e independentemente do trânsito em julgado, encaminhem-se cópia integral deste processo ao Ministério Público, considerando-se a prova de fornecimento de medicação vencida à população e de eventual prática de ato de improbidade administrativa por conivência dos agentes públicos responsáveis envolvidos.

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