• Plano de Saúde alegou que não poderia ser obrigado a custear despesas de home care, pois o serviço não consta do rol de coberturas previstas no contrato…

file4671234819876Ao negar recurso da Omint Serviços de Saúde Ltda., a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou o entendimento de que o home care – tratamento médico prestado na residência do paciente –, quando determinado pelo médico, deve ser custeado pelo plano de saúde mesmo que não haja previsão contratual. Esse direito dos beneficiários dos planos já está consolidado na jurisprudência das duas turmas do tribunal especializadas em matérias de direito privado.

A empresa recorreu contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que a obrigou a custear o tratamento domiciliar de um portador de doença obstrutiva crônica e ainda manteve indenização de danos morais fixada em primeira instância. O home care foi a forma de tratamento prescrita pelo médico até que o paciente possa caminhar sem auxílio da equipe de enfermagem.

A Omint alegou que não poderia ser obrigada a custear despesas de home care, pois o serviço não consta do rol de coberturas previstas no contrato.

O relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, disse que o contrato de plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não pode restringir a modalidade de tratamento para as enfermidades cobertas.

Confirmando a decisão da Justiça fluminense, o ministro afirmou que o serviço de home care é um desdobramento do atendimento hospitalar contratualmente previsto. Ele lembrou que o tempo de internação não pode ser limitado, conforme estabelece a Súmula 302 do STJ.

  • Custo

Sanseverino destacou que o serviço de home care, quando necessário – como no caso analisado –, é menos oneroso para o plano de saúde do que a internação em hospital.

Além disso, a alegação da ausência de previsão contratual não beneficia à Omint, segundo o relator, porque, na dúvida sobre as regras contratuais, deve prevalecer a interpretação mais favorável ao segurado que faz um contrato de adesão. É o que preveem o artigo 47 do Código de Defesa do Consumidor e o artigo 423 do Código Civil.

Seguindo essas regras, o relator reconheceu que é abusiva a recusa do plano de saúde a cobrir as despesas do serviço dehome care, que no caso é imprescindível para o paciente. Mesmo se houvesse exclusão expressa dessa cobertura no contrato, ele afirmou que tal cláusula seria abusiva.

  • Dano moral

cruzvermelha.jpg.554x318_q85_cropAo condenar o plano de saúde, a Justiça do Rio concedeu indenização por danos morais ao paciente, fixada em R$ 8 mil. A Omint contestou a indenização, mas o STJ não pôde examinar a questão porque não houve indicação do dispositivo de lei que teria sido violado pelo TJRJ ao manter os danos morais impostos em primeiro grau.

Mesmo assim, Sanseverino afirmou que a mera alegação de que o pedido de danos materiais foi negado não afasta necessariamente os danos morais. Sobre o valor, ele disse que era bastante razoável, inclusive abaixo da quantia que o STJ costuma aplicar em situações análogas.

FONTE: Notícias do STJ – www.stj.jus.br

Voto do Relator na íntegra:


RECURSO ESPECIAL Nº 1.378.707 – RJ (2013/0099511-2)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO(Relator):
Trata-se de recurso especial interposto por OMINT SERVIÇOS DE SAÚDE LTDA, fundado na alínea “a” do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro, assim ementado:

AGRAVO INOMINADO. PLANO DE SAÚDE. HOME CARE. SUSPENSÃO. ABUSIVIDADE. DECISÃO DA RELATORA QUE NEGOU SEGUIMENTO AOS RE-CURSOS DE APELAÇÃO. Sem razão a recorrente, uma vez que a decisão monocrática está pautada em jurisprudência dominante deste Tribunal, no sentido de que o tratamento domiciliar, conhecido como home care, é desdobramento do atendimento hospitalar contratualmente previsto e, por tal razão, a limitação ou recusa constitui conduta abusiva e ilegal, ferindo a boa-fé objetiva e ensejando indenização por dano moral.
DESPROVIMENTO DO RECURSO.
Opostos embargos de declaração, restaram rejeitados com a aplicação da multa prevista no parágrafo único do art 538 do CPC. No recurso especial, fundado na alínea “a” do permissivo constitucional, o recorrente alega (i) violação ao art. 538 do CPC, uma vez que o recurso foi oposto para fins de prequestionamento; (ii) violação ao art. 557 do CPC, pois entende que o recurso de apelação não poderia te sido decidido de forma monocrática pela então violação ao art. 12 da Lei 9.656/98 e ao art. 54, § 4º, do CDC, porquanto entende que “não constando o serviço de home care do rol de coberturas previstas no contrato de plano de saúde do recorrido, não pode a Omint ser obrigada a custear as referidas despesas” (fl. 615, e-STJ) e (iv) ao fim, sustenta a inexistência do dano moral.

Contrarrazões ao recurso especial às fls. 638/650, e-STJ.

É o relatório.
VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator):
Eminentes colegas. A questão central devolvida à apreciação deste colegiado situa-se em torno da verificação do dever da empresa operadora de plano de saúde de custear o tratamento domiciliar de paciente mediante o serviço conhecido como home care. A questão é relevante, pois o paciente é portador de doença obstrutiva crônica, tendo sido essa forma de tratamento prescrita por seu médico assistente até que possa caminhar sem auxilio da equipe de enfermagem.
Ressalto que tanto o Juiz sentenciante quanto o Tribunal de origem, à luz das provas apresentadas, julgaram procedente o pedido para que o referido serviço seja prestado.

Segue, para efeito de cotejo, o que restou considerado pelo Tribunal de origem para negar provimento ao recurso de apelação, in litteris:
Na espécie, é incontroverso que, antes do ajuizamento da demanda, a ré determinou a redução do tempo do home care, objetivando a respectiva suspensão, sem comprovar, contudo, que o paciente não mais necessitava do referido atendimento.
O documento de fls. 18, em contrapartida, comprova a necessidade de manutenção do serviço.

A ressaltar que a circunstância de ter sido autorizado o serviço em epígrafe depois do ajuizamento da demanda, mas antes da decisão que concedeu a antecipação dos efeitos da tutela, não torna lícita a recusa inicial e só influi no arbitramento da indenização.
A alegação da empresa recorrente é de que, “não constando o serviço de home care do rol de coberturas previstas no contrato de plano de saúde do recorrido, não pode a Omint ser obrigada a custear as referidas despesas”(fl. 615, e-STJ).
Na realidade, o contrato de plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura securitária, mas não pode restringir a modalidade de tratamento a ser ministrado ao paciente.
Mais, o serviço de home care, conforme corretamente indicado no acórdão recorrido, constitui “desdobramento do atendimento hospitalar contratualmente previsto” (e-STJ, fl. 588).

Não se esqueça, nesse ponto, a jurisprudência sumulada desta Corte de que não pode haver sequer limitação de prazo de internação hospitalar, verbis:

É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado. (Súmula 302, 2ª Seção, julgado em 18/10/2004, DJ 22/11/2004, p. 425)

O serviço de home care, quando necessário, como no caso, mostra-se, a rigor, menos oneroso para o plano de saúde do que manter o paciente hospitalizado. Além disso, a alegação da ausência de previsão contratual não beneficia o recorrente, pois, na dúvida, acerca das estipulações contratuais, deve preponderar a mais favorável ao segurado como aderente de um contrato de adesão.
Trata-se, na realidade, de hipótese clara de aplicação das regras especiais de interpretação dos contratos de adesão ou dos negócios jurídicos estandardizados, que estão devidamente positivadas em nosso sistema jurídico.
Assim, o aparente conflito interpretativo de cláusulas contratuais deve ser solucionado em benefício do consumidor, nos termos do disposto no art. 47 do CDC, verbis:

Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

Note-se que os contratos de planos de saúde, além de constituírem negócios jurídicos de consumo, estabelecem a sua regulamentação mediante cláusulas contratuais gerais, ocorrendo a sua aceitação por simples adesão pelo segurado.
Consequentemente, a interpretação dessas cláusulas contratuais segue as regras especiais de interpretação dos negócios jurídicos estandardizados, inclusive o disposto no art. 47 do CDC.
A principal regra especial de interpretação ligada as cláusulas predispostas em contratos de adesão ou em condições contratuais gerais é exatamente esta, estabelecendo que, havendo dúvidas, imprecisões ou ambiguidades no conteúdo de um negócio jurídico, deve-se interpretar as suas cláusulas do modo mais favorável ao aderente. Como o predisponente teve a possibilidade de pré-estabelecer todo o conteúdo do contrato, as imprecisões, dúvidas e ambiguidades das cláusulas predispostas interpretam-se contrariamente aos seus interesses. Portanto, esta regra estabelece, em síntese, que, na dúvida, a interpretação será contrária aos interesses do predisponente ou a mais favorável aos do aderente.
Representa a versão moderna do princípio, que lança suas raízes no direito romano, da interpretatio contra stipulatorem ou da interpretatio contra proferentem , acolhida pelas codificações  modernas, como o art. 1162 do Código Civil francês de 1804 (“Dans le doute, la convention s’interprète contre celui qui a stipule et en faveur de celui qui a contracté l’obligation.” ou, em tradução livre, “na dúvida, interpreta-se a convenção contra aquele que a estipulou e em favor daquele que contraiu a obrigação”).

Não se deve, entretanto, confundir esse antigo cânone hermenêutico do direito romano com a sua versão moderna forjada para a interpretação dos contratos estandardizados.
Enzo Roppo anota com pertinência que não se trata de “mera transcrição do princípio romanístico da interpretatio contra stipularorem” , pois o fenômeno da contratação  estandardizada era ignorado no mundo romano, mas de uma diretiva objetiva para “tutela do contratante débil contra as imposições dos esquemas negociais unilateralmente predispostos.” (ROPPO, Enzo. Contratti Standard. Milano: Giuffrè, 1989, p. 220).

No direito alemão, a jurisprudência construiu a regra de que, nas condições contratuais gerais, a interpretação deve ser desenvolvida em favor da parte que se submete e contra quem predispôs as condições negociais gerais (Unklarheitenregel ).
Ela foi consagrada pelo § 5º da AGB Gesetz de 1976, quando estabeleceu: “Por ocasião da interpretação das condições negociais gerais, as dúvidas correm a cargo do estipulante.”
Alfred Rieg explica, ainda, que, “para a aplicação do § 5º, é indispensável que a cláusula litigiosa seja efetivamente ambígua, sendo suscetível de várias significações. A ‘regra da imprecisão não permite que se confira a uma cláusula clara uma interpretação favorável ao cliente e desfavorável ao estipulante”. (RIEG, Alfred. Republique Fédérale d’Allemagne. Revue internationale de droit comparé , Paris, ano 34, v. 3, 1982, p. 924)

Nos Estados Unidos, entre os critérios de interpretação dos standard forms contracts, está também incluída a contra proferentem rule.
Farnsworth observa que uma das técnicas de limitação judicial das cláusulas dos standardized agreements é a interpretação da linguagem contra proferentem. Cita como exemplo o caso Galligan v. Arovitch que versava acerca de um locatário de um prédio que se lesionou em uma queda no gramado (lawn) do imóvel, tendo processado o proprietário por manutenção negligente. No contrato predisposto, havia uma cláusula que excluía a responsabilidade (liability for injury) em diversas situações pelo uso de elevadores, escadas e, inclusive, da calçada (sidewalk ). A corte interpretou restritivamente essa cláusula contra o proprietário, entendendo que gramado (lawn) não se confunde com calçada (sidewalk ), e não afastando a responsabilidade. (FRANSWORTH, E. Allan. Fransworth on Contracts. . Boston: Little, Brown and Company, 1990. p. 484-485).

No direito português, a regra da interpretatio contra proferentem foi acolhida de modo peculiar pelo Decreto-Lei 446/85, estabelecendo o seu art. 11: “1. As cláusulas contratuais gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real. 2. Na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente.
Almeida Costa e Menezes Cordeiro explicam que a interpretação da cláusula é feita em dois momentos. Inicialmente, tenta-se “o sentido deduzido pelo aderente médio colocado na posição de aderente real” no esquema geral de direito privado (art. 236, nº do Código Civil português). Prosseguem os autores português: “Esgotadas todas as hipóteses, quando se mantenha a ambigüidade de alguma cláusula contratual incluída num contrato singular, aplica-se a regra do nº 2: prevalece o sentido mais favorável ao aderente.” E arrematam no sentido de que esses deveres de clareza têm sua fonte no princípio da boa-fé. (ALMEIDA COSTA, Mário Júlio, e MENEZESCORDEIRO, Antônio Manuel da Rocha e. Da Boa Fé no Direito Civil. Coimbra: Almedina, 1990, p. 32). A Diretiva Européia 93/13/CEE, em seu art. 5º, estatuiu que, “em caso de dúvida sobre o sentido de uma cláusula, prevalecerá a interpretação mais favorável para o consumidor.”

No direito brasileiro, o Código Comercial de 1850, ao elencar em seu art. 131 as principais regras de interpretação, concluía o rol com a seguinte norma: “5. nos casos duvidosos, que não possam resolver-se segundo as bases estabelecidas, decidir-se-á em favor do devedor.” Essa regra, porém, nunca recebeu a devida atenção pela doutrina e pela jurisprudência.
Apenas mais recentemente, na esteira do direito comparado, quando a regra foi consagrada pelo Código do Consumidor de modo bastante amplo, para todos os contratos de consumo, e não apenas para os contratos de adesão (Art. 47), passou a ser devidamente valorizada. Essa regra é complementada pelo art. 54, § 3º, do CDC (“Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor”).

Sérgio Cavalieri Filho anota, com sua habitual clareza, o seguinte:

“Em outras palavras, essa é a sábia regra do art. 47 do CDC: quem escreve não tem a seu favor o que escreveu. E não somente as cláusulas ambíguas dos contratos de adesão se interpretam em favor do aderente, contra o estipulador, mas o contrato de consumo como um todo. A regra geral, assevera Cláudia Lima Marques, é que se interprete o contrato de adesão, especialmente as suas cláusulas dúbias, contra aquele que redigiu o instrumento. É a famosa interpretação contra proferente” (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2010, p. 143).

O Código Civil de 2002 também acolheu expressamente essa regra especial de interpretação para os contratos de adesão no art. 423, mas estabeleceu um enunciado normativo mais restritivo: “Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente”Além de tratar apenas dos contratos de adesão, o legislador do Código Civil estabeleceu como pressuposto para a incidência da regra a ocorrência de cláusulas ambíguas ou contraditórias.

Não se exige que o contratante favorecido pela obscuridade ou ambiguidade seja o redator das cláusulas contratuais, podendo também ocorrer que ele tenha adotado um modelo existente. Nesse ponto, merece lembrança a possibilidade dos contratos de dupla adesão em que as duas partes acolhem um modelo pré-estabelecido. No Brasil, esses contratos de dupla adesão têm aparecido com cada vez maior freqüência nos negócios celebrados por empresas controlados pelo poder público em que o seu conteúdo é estabelecido por regulamentos administrativos elaborados por agências reguladoras (ex.: telefonia, energia elétrica, consórcios, seguro, sistema financeiro de habitação, saúde suplementar).

De todo modo, a inspiração do legislador brasileiro na elaboração da regra do art. 423 do novo Código Civil foi a norma do art. 1370 do Código Civil italiano: “As cláusulas inseridas nas condições gerais dos contratos (art. 1341) ou em módulos ou formulários predispostos por um dos contratantes (art. 1342) interpretam-se, na dúvida, em favor do outro.” Enzo Roppo insere essa regra nos modos de controle judicial do conteúdo dos contratos de adesão ou das condições contratuais gerais. Guido Alpa explica que essa regra de interpretação, no direito italiano, tem sido acolhida pela jurisprudência com caráter subsidiário para as hipóteses em que exista dúvida ou obscuridade na cláusula, sendo, por isso, raras as decisões que fazem uso da norma do art. 1370 do CC italiano para o controle de contratos de adesão. (ALPA, Guido, e RAPISARDA, Cristina. Il Controllo dei Contratti per Adesione. Rivista del Diritto Commerciale, Ano LXXXVII , 1989, p. 556).

No direito brasileiro, diversamente, esta tem-se constituído, na prática, na principal regra de interpretação dos negócios jurídicos estandardizados, sendo utilizada, com freqüência, expressa ou implicitamente, pela jurisprudência dos principais tribunais brasileiros. O Superior Tribunal de Justiça, invocando as regras do art. 47 e do art. 54, § 3º, do CDC, tem feito uso com freqüência dessa regra de interpretação para negócios estandardizados, inclusive em contratos de seguro-saúde, que, via de regra, estão submetidos a condições negociais gerais.

O STJ, no caso de um segurado submetido a transplante, em que se discutia acerca da interpretação da cláusula contratual reguladora da cobertura desse tratamento, em face de sua redação dúbia, determinou o pagamento das despesas médico-hospitalares, verbis:

DIREITO CIVIL. CONTRATO DE SEGURO-SAÚDE. TRANSPLANTE. COBERTURA DO TRATAMENTO. CLÁUSULA DÚBIA E MAL REDIGIDA. INTERPRETAÇÃO FAVORÁVEL AO
CONSUMIDOR. ART. 54, § 4º, CDC. RECURSO ESPECIAL. SÚMULA/STJ, ENUNCIADO 5. PRECEDENTES. RECURSO NÃO-CONHECIDO. I – CUIDANDO-SE DE INTERPRETAÇÃO DE CONTRATO DE ASSISTÊNCIA MÉDICO-HOSPITALAR, SOBRE A COBERTURA OU NÃO DE DETERMINADO TRATAMENTO, TEM-SE O REEXAME DE CLÁUSULA CONTRATUAL COMO PROCEDIMENTO DEFESO NO ÂMBITO DESTA CORTE, A TEOR DE SEU VERBETE SUMULAR Nº CINCO. II – ACOLHIDA A PREMISSA DE QUE A CLÁUSULA EXCLUDENTE SERIA DÚBIA E DE DUVIDOSA CLAREZA, SUA INTERPRETAÇÃO DEVE FAVORECER O SEGURADO, NOS TERMOS DO ART. 54, § 4º DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. COM EFEITO, NOS CONTRATOS DE ADESÃO, AS CLÁUSULAS LIMITATIVAS AO DIREITO DO CONSUMIDOR CONTRATANTE DEVERÃO SER REDIGIDAS COM CLAREZA E DESTAQUE, PARA QUE NÃO FUJAM DE SUA PERCEPÇÃO LEIGA. (STJ, 3ª T., RESP. 311.509/SP, RELATOR MIN. SÁLVIO FIGUEIREDO TEIXEIRA, PUBLICADO NO DJ DE 25/06/2001, P. 196, JBCC VOL. 193, P. 87).

Em outro caso, o recurso especial discutia a validade e a eficácia de cláusula limitativa de cobertura securitária, tendo sido feita novamente aplicação da regra interpretativa em questão, verbis:

AÇÕES COMINATÓRIA, INDENIZAÇÃO E CAUTELAR. CONTRATO DE COBERTURA MÉDICO-HOSPITALAR (SEGURO-SAÚDE). CLÁUSULA LIMITATIVA. CONTRATO DE ADESÃO. INTERPRETAÇÃO A FAVOR DO ADERENTE. O REEXAME DO CONJUNTO PROBATÓRIO E A EXEGESE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS SÃO TAREFAS IMUNES AO CRIVO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, CONSOANTE A ORIENTAÇÃO SUMULADA NOS VERBETES NS. 5 E 7. ESTABELECIDA A PREMISSA ACERCA DA DUBIEDADE DA CLÁUSULA INSERTA EM CONTRATO DE ADESÃO, DEVE ELA SER INTERPRETADA A FAVOR DO ADERENTE. AJUSTE DO DANO MORAL AOS VALORES USUALMENTE FIXADOS PELA CORTE. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, PROVIDO . (STJ, 4ª T., RESP. 435.241/SP, REL. MIN. CESAR ASFOR ROCHA, PUBLICADA NO DJ DE 30/06/2003, P. 55508).

Mais recentemente, merece lembrança o seguinte precedente desta Corte:

CIVIL. CONSUMIDOR. SEGURO. APÓLICE DE PLANO DE SAÚDE. CLÁUSULA ABUSIVA. LIMITAÇÃO DO VALOR DE COBERTURA DO TRATAMENTO. NULIDADE DECRETADA. DANOS MATERIAL E MORAL CONFIGURADOS. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. É abusiva a cláusula contratual de seguro de saúde que estabelece limitação de valor para o custeio de despesas com tratamento clínico, cirúrgico e de internação hospitalar.
2. O sistema normativo vigente permite às seguradoras fazer constar da apólice de plano de saúde privado cláusulas limitativas de riscos adicionais relacionados com o objeto da contratação, de modo a responder pelos riscos somente na extensão contratada. Essas cláusulas meramente limitativas de riscos extensivos ou adicionais relacionados com o objeto do contrato não se confundem, porém, com cláusulas que visam afastar a responsabilidade da seguradora pelo próprio objeto nuclear da contratação, as quais são abusivas.
3. Na espécie, a seguradora assumiu o risco de cobrir o tratamento da moléstia que acometeu a segurada. Todavia, por meio de cláusula limitativa e abusiva, reduziu os efeitos jurídicos dessa cobertura, ao estabelecer um valor máximo para as despesas hospitalares, tornando, assim, inócuo o próprio objeto do contrato.
4. A cláusula em discussão não é meramente limitativa de extensão de risco, mas abusiva, porque excludente da própria essência do risco assumido, devendo ser decretada sua nulidade.
5. É de rigor o provimento do recurso especial, com a procedência da ação e a improcedência da reconvenção, o que implica a condenação da seguradora ao pagamento das mencionadas despesas médico-hospitalares, a título de danos materiais, e dos danos morais decorrentes da injusta e abusiva recusa de cobertura securitária, que causa aflição ao segurado.
6. Recurso especial provido. (REsp 735.750/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 14/02/2012, DJe 16/02/2012)

Enfim, esta regra da interpretatio contra proferentem tem-se constituído no principal cânone hermenêutico especial dos negócios estandardizados no direito brasileiro, tendo plena aplicação no caso diante da divergência estabelecida nas instâncias ordinárias acerca do exato sentido da cláusula limitativa da cobertura securitária. Desse modo, deve ser reconhecida a abusividade da negativa do plano de saúde em cobrir as despesas do serviço de home care, necessário ao tratamento do paciente segurado e, em último, imprescindível para a sua própria sobrevivência.

Finalmente, mesmo nos casos de expressa exclusão da cobertura mediante o serviço de home care, tem sido reconhecida a abusividade dessa cláusula contratual. Nesse sentido, merece lembrança o seguinte precedente específico da Quarta Turma do STJ:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. 
ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTIGOS 458, II, E 535 DO CPC. PRAZO PRESCRICIONAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA DATA DA RECUSA DO PAGAMENTO PELA SEGURADORA. SÚMULA 7/STJ. TRATAMENTO HOME CARE. RECUSA INDEVIDA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Não há ofensa aos artigos 458, II, e 535 do CPC, se o Tribunal dirimiu as questões que lhe foram submetidas e apresentou os fundamentos nos quais suportou suas conclusões, e manifestou-se expressamente acerca dos temas necessários à integral solução da lide.
2. Firmado no acórdão estadual que a Seguradora não se incumbiu de “demonstrar as datas em que, inequivocamente, a segurada teve seus pedidos de pagamentos de despesas negados”, termo a partir do qual se iniciaria o lapso prescricional, o exame da irresignação recursal esbarra na Súmula 7 do STJ.
3. De acordo com a orientação jurisprudencial do STJ, o plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de tratamento utilizado para a cura de cada uma, sendo abusiva a cláusula contratual que exclui tratamento domiciliar quando essencial para garantir a saúde ou a vida do segurado.
4. Agravo regimental não provido. (AgRg no Ag 1.325.939/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 03/04/2014, DJe 09/05/2014)

Portanto, não merece acolhida a alegação recursal central relativa ao serviço de 
home care.

Quanto a alegação de inexistência do dano moral, o pedido de reforma do 
acórdão recorrido não pode ser conhecido, uma vez que, no ponto, o recorrente não indicou qual dispositivo de legal federal teria sido violado pelo Tribunal de origem em Razão da manutenção da condenação em danos morais imposta pela sentença, o que atrai, por analogia, a aplicação da Súmula 284 do STF.
Destaque-se, ainda, que a mera alegação de que o pedido de dano material foi julgado improcedente, por si só, não conduz à inevitável conclusão de que os danos morais seriam incabíveis na espécie. Ademais, ainda que ultrapassado o referido óbice, rever tal entendimento, de que restou caracterizado o dano moral na espécie, não é possível na via estreita do
recurso especial, diante do enunciado da Súmula 07 deste Tribunal. Ressalte-se, por fim, nesse tópico, que o montante arbitrado pela sentença a título de indenização por danos morais (oito mil reais), confirmado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, mostra-se bastante razoável, inclusive aquém dos valores arbitrados por esta Corte em situações análogas.

Quanto à suposta ofensa ao art. 557 do CPC, constata-se que o julgamento monocrático da apelação foi apreciado pelo órgão colegiado competente do Tribunal de origem, que manteve a decisão por seus próprios fundamentos, não havendo se falar, portanto, em afronta ao princípio da colegialidade. Ainda assim, carece de interesse recursal o recorrente, uma vez que, na esteira da jurisprudência desta Corte, se a questão for submetida ao órgão colegiado fica prejudicada a análise da questão em sede especial.

No mesmo sentido:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 557 DO CPC. DECISÃO CONFIRMADA POR ÓRGÃO COLEGIADO EM SEDE DE AGRAVO REGIMENTAL. ANÁLISE PREJUDICADA.
Fica prejudicada a análise da violação ao artigo 557 do Código de Processo Civil, quando a decisão monocrática for confirmada por julgamento colegiado. Agravo improvido. (AgRg no Ag1021484/GO, Rel. Min. SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/09/2008, DJe 08/10/2008 )

Por fim, no tocante à aventada ofensa ao art. 538, parágrafo único, do CPC, elidir as conclusões do aresto impugnado quanto ao caráter protelatório dos embargos de declaração, demanda o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, providência vedada nesta sede especial a teor da Súmula 07 deste Tribunal. Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. INDENIZAÇÃO. DEMORA NA CONCESSÃO DA APOSENTADORIA. MULTA POR EMBARGOS PROTELATÓRIOS. APLICADA PELO JUÍZO DE 1º GRAU. REVISÃO. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF.
1. Afastar as conclusões a que chegou o juízo de primeiro grau de que os embargos de declaração contra a sentença de piso foram protelatórios demandaria o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, inviável em sede de recurso especial, nos termos do enunciado nº 7 da Súmula deste Pretório.
[…]
3. Recurso especial não conhecido. (REsp 1370852/SP, Segunda Turma, Rel. Ministra ELIANA CALMON, DJe 28/08/2013)
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVOREGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR PUBLICO. PUNIÇÃO ADMINISTRATIVA. PRAZOPRESCRICIONAL. ACÓRDÃO COM FUNDAMENTO INATACADO. SÚMULAS N. 283 E N. 284 DO STF. MULTA DO ART. 538 DO CPC. NÃO AFASTAMENTO. SÚMULA N. 7 DO STJ.
[…]
2. No caso, não se pode afastar a aplicação da multa do art. 538 do CPC, pois, considerando-se que “a pretensão de rediscussão da lide pela via dos embargos declaratórios, sem a demonstração de quaisquer dos vícios de sua norma de regência, é sabidamente inadequada, o que os torna protelatórios, a merecerem a multa prevista no artigo 538, parágrafo único, do CPC” (EDcl no AgRg no Ag 1115325/RS, Rel.Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, DJe 04/11/2011), não há como se rever a multa aplicada pelo Tribunal de origem, pois a aferição do caráter protelatório, no caso, depende do reexame fático-probatório (Súmula n. 7 do STJ), mormente à míngua de qualquer tese recursal que impugnasse o fato interruptivo descrito no acórdão a quo. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no Ag 1418588/RJ, Primeira Turma, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, DJe 30/11/2012)

Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento ao recurso especial.

É o voto.

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