Dois homens sócios de uma imobiliária foram condenados pela 29ª Vara Criminal Central sob a acusação de estelionato praticado contra uma mulher, vítima de falsa promessa da venda de imóvel do programa “Minha Casa, Minha Vida”, do Governo Federal.

Consta da denúncia que a vítima deu R$ 10 mil a um dos corretores a título de sinal para negociação do bem, localizado em um conjunto habitacional, sob a promessa de que o contrato de compra e venda estaria concluído em 90 dias. Passado o prazo sem que os papéis estivessem prontos, ela tentou contato com o corretor, mas não conseguiu mais encontrá-lo.

Ao proferir a sentença, o juiz Luiz Raphael Nardy Lencioni Valdez os condenou a cumprir um ano de reclusão em regime aberto, além do pagamento de 10 dias-multa, no piso mínimo legal, substituindo a pena privativa de liberdade por prestação de serviços à comunidade, em favor de entidade assistencial a ser indicada pelo juízo das Execuções Criminais. Além disso, os acusados terão que pagar R$ 9 mil de forma solidária à vítima.

Cabe recurso da decisão.

Processo nº 0066692-40.2014.8.26.0050

FONTE: Notícias do Tribunal de Justiça de São Paulo – www.tjsp.jus.br

Íntegra da Sentença:

Este é o relatório.
FUNDAMENTO e DECIDO.
O pedido acusatório procede na íntegra.
A materialidade é comprovada pela cópia de recibo de fl. 05 e pelos documentos bancários de fls. 06/07, comprovando o depósito de R$ 10.000,00 feito pela vítima em contas bancárias do réu RENATO, à título de sinal pela aquisição de imóvel no Conjunto Barra Bonita, na Rua Peixoto Werneck, nesta Capital. Não há dúvida, outrossim, acerca da autoria do crime patrimonial descrito na denúncia.
Os fatos em si são incontroversos.
As vítimas A. D. e R. Y. confirmaram os detalhes do “negócio” fraudulento entabulado com os réus. O casal vítima procurava um imóvel de baixo valor para aquisição e recebeu indicação da imobiliária Fenix. No local funcionava um escritório com grande número de banners e anúncios da Caixa Econômica Federal e do programa “Minha Casa, Minha Vida”, do governo federal. Também havia um site mantido pela imobiliária, com anúncios do mesmo tipo. As vítimas foram atendidas pelo réu RENATO, mas seu sócio EDIMAR também de apresentou e esteve ciente de todas as negociações. Diante do perfil de imóvel desejado, RENATO indicou um apartamento do Conjunto Barra Bonita. Explicou que não tinhas as chaves da unidade para mostrá-la, mas levou Andressa até o condomínio e mostrou o local por fora. Andressa gostou do que viu e das promessas do réu e decidiu fechar negócio por R$ 65.000,00. O acusado exigiu R$ 10.000,00 à titulo de sinal, pagos mediante transferências bancárias para a conta do próprio RENATO (comprovantes a fls. 06 e 07). A vítima entregou documentação pessoal e acordou com RENATO que o contrato de compra e venda seria formalizado no prazo de 90 dias. O prazo escoou e não houve notícia. RENATO desapareceu e apenas EDIMAR permaneceu na imobiliária. EDIMAR admitiu o dever de devolver o valor do sinal, devolvendo apenas R$ 1.000,00, mas alegou ter sido ele próprio enganado por RENATO. Passado mais de um ano de tentativas infrutíferas de solução da questão, as vítimas levaram os fatos ao conhecimento da Policia Civil.
Além das vítimas, foram ouvidas em instrução as testemunhas V. C. T., representante da CDHU, e A. M., gerente regional da CAIXA. Os depoimentos serviram para esclarecer o funcionamento do programa “Minha Casa, Minha Vida” e confirmar que a imobiliária dos réus agia de forma clandestina e ilegal, comercializando um produto que não poderiam entregar. Como restou muito claro em instrução, os comtemplados com as unidades do Conjunto Habitacional Barra Bonita foram todos indicados pela Prefeitura Municipal, sendo vedada a comercialização das unidades por terceiros, com ou sem intermediação de corretores imobiliários. O “proprietário” de uma unidade do conjunto, por força de lei, não pode vender seu imóvel pelo prazo de 10 anos, sob pena de perdê-lo e vê-lo repassado para a pessoa seguinte do cadastro elaborado pela Prefeitura Municipal.
Outro detalhe importante trazido pela testemunha Antonio é que, na época dos fatos, o empreendimento Barra Bonita não estava sequer pronto e não havia sido invadido, como acabou sendo em data posterior, o que exigiu ação judicial para desocupação. Ou seja, os réus não poderiam sequer alegar que intermediavam uma venda irregular, “de gaveta”, entre um contemplado e as vítimas, pelo simples motivo que não havia ainda nenhum contemplado. Em outras palavras, a CAIXA, incorporadora original do condomínio, não havia entregado nenhuma unidade do Conjunto Barra Bonita a quem quer que seja. Se os réus não eram agentes cadastrados da CAIXA para venda de imóveis novos (o que sequer seria possível em se tratando do “Minha Casa, Minha Vida”), e se não havia nenhum imóvel usado para revenda, ainda que ilegal, no Conjunto Barra Bonita (pelo simples fato de que não havia contemplados), a que título os réus poderiam prometer às vítimas a entrega de um apartamento naquele local?
A resposta é óbvia e única. Prometeram a entrega de um apartamento que sabiam não poder entregar, com o objetivo de exigir o pagamento de R$ 10.000,00 como sinal que, de antemão, não tinham intenção de devolver. Portanto, os réus obtiveram vantagem patrimonial ilícita no valor de R$ 10.000,00, induzindo as vítimas em erro mediante fraude consistente na falsa promessa de venda de apartamento de um programa governamental de baixa renda, nos exatos termos do art. 171, do Código Penal.
Interrogados, os réus negaram as acusações, mas admitiram serem os responsáveis únicos pela imobiliária e confirmaram todos os detalhes do “negócio” entabulado com as vítimas, somente não conseguindo explicar como fariam para entregar a ela um apartamento no condomínio Barra Bonita no prazo de 90 dias, o que seria objetivamente impossível pelos motivos já expostos.
EDIMAR tentou esquivar-se da responsabilidade, afirmando que era sócio de RENATO “apenas nas coisas legais”. Alegou ter sigo enganado por RENATO, que era corretor de imóveis e responsável pelas negociações. Negou conhecimento sobre o sinal pago por Andressa, mas admitiu tê-la ressarcido em R$ 1.000,00. Afirmou, por fim, que RENATO lesou de forma semelhante inúmeras outras pessoas no mesmo conjunto e em outros conjuntos habitacionais do Minha Casa, Minha Vida. RENATO, de forma bastante cínica, alegou ter cobrado os R$ 10.000,00 apenas para procurar um imóvel para Andressa, e não como sinal de um negócio fechado.
Ora, não há nenhuma imobiliária no mercado que cobre antecipadamente R$ 10.000,00 (1/6 do valor do imóvel pretendido) apenas para prospecção. Tal prática não é sequer permitida pelo CRECI. A corretagem será devida apenas e tão somente quando o imóvel buscado pelo cliente foi encontrado e a transação foi efetivada, não antes disso. Ainda assim, a corretagem jamais chegaria ao patamar de R$ 10.000,00 para uma pequeno apartamento de R$ 65.000,00. Evidente que um valor desse porte somente seria exigido do comprador-vítima à titulo de sinal, antecipação do pagamento total, apenas para reservar o imóvel enquanto a documentação é conferida e os documentos próprios são redigidos. A exigência do valor em uma hipótese cuja entrega do apartamento seria objetivamente impossível prova que os réus dolosamente enganaram as vítimas e obtiveram vantagem patrimonial ilícita.
Esta a razão para não acolher a tese defensiva de que tudo não passou de mero inadimplemento contratual, a ser resolvido na esfera cível. No caso, os réus, por intermédio de uma imobiliária, fizeram propaganda enganosa ostensiva para captação de clientes de baixa renda e presumidamente mais suscetíveis à falsas promessas, e em seguida prometeram entregar apartamentos de um conjunto habitacional ainda não terminado, cuja venda seria objetivamente impossível, pois todas as unidades seriam entregues diretamente pela Caixa a pessoas contempladas que sequer ainda conhecidas.
Aliás, constata-se que as Defesas não fizeram prova documental ou testemunhal de um único imóvel sequer regularmente comercializado pelos réus, que ao que parece se especializaram na venda ilegal de imóveis de programas habitacionais.
A responsabilidade pelo delito também atinge o réu RENATO, apesar de suas alegações. As vítimas desmentiram a alegação de ignorância sobre o negocio e sobre o pagamento do sinal. Ao revés, confirmaram que RENATO estava tão ciente de cada passo quanto EDIMAR. O fato de RENATO não ter desaparecido da imobiliária e ter ressarcido a vítima em 1/10 do valor do prejuízo não o exime de participação dolosa no crime já consumado.
Em suma, a prova oral e documental é mais do que suficiente a demonstrar que os dois acusados obtiveram para ambos vantagem ilícita no valor descrito na denúncia, mediante fraude contra as vítimas.
Passo a dosar a pena. O réu eram primários na data do fato e não há razões concretas para fixar a pena-base em patamar superior ao mínimo. Por isso, com fundamento no artigo 59, do Código Penal, fixo a pena-base em 01 ano de reclusão e 10 dias-multa (calculados em seu mínimo legal, à razão de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos).
Não há agravantes ou atenuantes a se aplicar.
Não há causas de aumento ou diminuição. À míngua de outras circunstâncias a se analisar, torno a pena definitiva.
Sendo os acusados primários na data do crime e lhes pena privativa de liberdade aplicada a cada réu por pena de prestação de serviços a comunidade em favor de entidade assistencial a ser indicada em execução.
Em caso de descumprimento da pena restritiva imposta, os acusados descontarão as reprimendas em regime ABERTO. Ante todo o exposto, e pelo mais que dos autos consta, CONDENO os réus R. DOS S. R. e E. S. DE O., como incursos no artigo 171, caput, c.c. art. 29, do Código Penal, à pena de 01 ANO DE RECLUSÃO EM REGIME ABERTO, E 10 DIAS-MULTA, esses no mínimo legal, SUBSTITUÍDA por pena de prestação de serviços a comunidade, em favor de entidade assistencial a ser indicada em execução.
Por fim, CONDENO os réus ao pagamento de R$ 9.000,00, de forma solidária, à vítima A. C. D., como reparação mínima dos danos, valor este a ser corrigido monetariamente pela Tabela Prática
do TJ/SP e acrescido de juros de 01(um)% ao mês, desde a data do fato até a data do efetivo pagamento.
Custas pelos réus, nos termos legais. Com o trânsito em julgado, lancem-se os nomes dos acusados no rol dos culpados.
Publique-se.
Comunique-se. Registre-se. Intimem-se.
São Paulo, 10 de abril de 2015.

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