“Em defesa, a empresa alegou que sempre reembolsou a funcionária conforme o “relatório de despesas” preenchido pela própria reclamante, e que o valor englobava todos os custos (gasolina, manutenção, deterioração do veículo e eventual despesa com estacionamento).”
Uma gerente de contas da Serasa Experian (SERASA S.A.) obteve na Justiça do Trabalho decisão favorável ao reembolso das despesas de manutenção e desgaste do veículo próprio usado para fazer visitas aos clientes. A 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná reformou a sentença de primeira instância, que havia negado o reembolso.
A gerente foi admitida na SERASA em maio de 2008 e desligada em janeiro de 2012, após pedir demissão. Ela moveu ação judicial requerendo indenização pelo uso do veículo particular no trabalho, alegando que a empresa restituía apenas os valores gastos a título de combustível. Em primeira instância, o pedido foi negado com base nos dispositivos do Código Civil (artigos 186 e 927) que definem que a obrigação de indenizar depende da prova do dano experimentado. A gerente não comprovou, no processo, as despesas com manutenção do veículo.
Os desembargadores da 3ª Turma, no entanto, ao analisarem o recurso da gerente, consideraram legítimo o ressarcimento solicitado. “Inaceitável transferir ao empregado os riscos do empreendimento por força do disposto no artigo 2º da CLT, de sorte que, independentemente do que restou acordado no momento da contratação, se o empregado utilizou seu próprio veículo para o desempenho de suas funções, a empresa tem a obrigação de suportar todas as despesas efetuadas pelo empregado com o veículo, inclusive depreciação e manutenção, até para evitar o seu enriquecimento sem causa”, diz o acórdão.
Foi informado no processo que a funcionária rodava em média 500 quilômetros por mês, causando evidentes desgastes ao veículo. Para compensar os custos de manutenção, a gerente pediu indenização de no mínimo R$ 0,70 por quilômetro rodado. Em defesa, a empresa alegou que sempre reembolsou a funcionária conforme o “relatório de despesas” preenchido pela própria reclamante, e que o valor englobava todos os custos (gasolina, manutenção, deterioração do veículo e eventual despesa com estacionamento).
A afirmação da SERASA, contudo, não foi aceita pela relatora do acórdão, desembargadora Thereza Cristina Gosdal, para quem os documentos juntados aos autos discriminavam apenas a despesa com “veículo próprio” e, em alguns meses, “pedágio”, não sendo possível concluir que as despesas de depreciação estavam incluídas no pagamento.
Quanto ao valor do ressarcimento, a 3ª Turma considerou não haver no processo parâmetro para considerar que a despesa com o desgaste do veículo fosse de R$ 0,70 (setenta centavos) por quilômetro rodado, nem elementos comprovando quantos quilômetros, em média, a funcionária percorria por mês. Assim, o colegiado entendeu razoável fixar o referido reembolso em R$ 200,00 por mês trabalhado.
Da decisão cabe recurso.
Processo 44209-2013-009-09-00-6.
FONTE: Notícias do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná – www.trt9.jus.br
ACORDÃO:
INDENIZAÇÃO PELO USO DE VEÍCULO PRÓPRIO. RESSARCIMENTO PELA MANUTENÇÃO E DESGASTE DO AUTOMÓVEL. Nos termos do artigo 2º da CLT, é o empregador quem deve arcar com o ônus da atividade econômica. Assim, restando demonstrado que a autora utilizava seu próprio veículo no desempenho de suas atividades em prol da ré, inaceitável transferir à empregada os riscos do empreendimento por força do disposto no artigo 2º da CLT, de sorte que, independentemente do que restou acordado no momento da contratação, se a empregada utilizou seu próprio veículo para o desempenho de suas funções, a empresa tem a obrigação de suportar as despesas efetuadas pela empregada com o veículo, inclusive depreciação e manutenção, até para evitar o seu enriquecimento sem causa. Decisão de primeiro grau reformada nesse ponto.
V I S T O S, relatados e discutidos estes autos de RECURSOS ORDINÁRIOS, provenientes da 09ª VARA DO TRABALHO DE CURITIBA, sendo recorrentes M. V. e SERASA S.A e recorridos OS MESMOS.
I – RELATÓRIO
As partes interpuseram recurso ordinário em face da sentença proferida pela Exma. Juíza do Trabalho Fernanda Hilzendeger Marcon (às fls. 517-540), que acolheu parcialmente os pedidos.
A autora postula a reforma da sentença quanto aos seguintes itens: remuneração variável, equiparação salarial, danos morais, reversão do pedido de demissão, horas extras, intervalo intrajornada, despesa com veículo e honorários advocatícios (fls. 541-557).
Apesar de devidamente intimada, a ré não apresentou contrarrazões.
A ré postula a reforma da sentença quanto aos seguintes itens: horas extras e PLR (fls. 558-564).
Custas não recolhidas. Depósito recursal efetuado à fl. 572.
Contrarrazões apresentadas pela autora às fls. 575-582.
Os autos não foram enviados ao Ministério Público do Trabalho ante a desnecessidade de seu pronunciamento.
II – FUNDAMENTAÇÃO
ADMISSIBILIDADE
Presentes os pressupostos legais de admissibilidade, CONHEÇO do recurso ordinário interposto pela autora M. .V.
A reclamante alega em contrarrazões (fls. 575-582) que o recurso ordinário da reclamada é deserto, pois não houve o pagamento das custas processuais e a comprovação do pagamento da guia de depósito recursal está ilegível.
Consta na r. sentença: “A parte reclamada arcará com o pagamento de custas processuais no importe de R$ 600,00, calculadas sobre o valor provisório da condenação de R$ 30.000,00, complementáveis ao final.” (fl. 540). O depósito recursal está demonstrado, mas a recorrente deixou de trazer aos autos a GRU referente ao recolhimento das custas processuais.
Incumbe à recorrente comprovar, dentro do prazo recursal, que efetuou corretamente o preparo, sob pena de o recurso ser considerado deserto, consoante art. 7º da Lei 5.584/70. No presente caso, a reclamada foi condenada ao pagamento de custas processuais, mas não provou o respectivo pagamento.
É inviável a abertura de prazo para regularização da comprovação das custas, na medida em que era dever da recorrente verificar se seu recurso atendia a todos os pressupostos de admissibilidade dentro do prazo legal para interposição do recurso, sob pena de deserção, nos termos do artigo 789, §1º da CLT.
Destaco, por fim, que não houve pedido de concessão de justiça gratuita.
Ante o exposto, NÃO CONHEÇO do recurso ordinário interposto pela ré por deserto.
MÉRITO
RECURSO ORDINÁRIO DE M. V.
1. Remuneração variável
A autora alegou na inicial que recebia salário fixo mais comissões. Disse que a política de comissões da ré prevê o pagamento de comissões sobre o faturamento da carteira de clientes, desde que o empregado alcance, no mínimo, 80% de sua meta mensal. Informou que a ré redistribuía as metas a cada trimestre, o que lhe era prejudicial, aduzindo que “no último trimestre do ano de 2011, a reclamada extrapolou todos os limites do razoável, impondo um acréscimo de praticamente 100% (cem por cento) nas metas da reclamante, o que não ocorreu com os demais funcionários”. Afirmou que a alegada alteração absurda de metas objetivou retirar-lhe o pagamento da parcela variável, pelo que deve ser considerada nula. Pleiteou o retorno das metas ao patamar anterior e, consequentemente, o pagamento das diferenças de comissões (fls. 4-7).
A ré afirmou na contestação que as comissões foram corretamente quitadas. Disse que não houve uma alteração brusca das metas como alega a autora e que a variação aplicada observou os aspectos econômicos do período. Sustentou ainda que, conforme relatório do desempenho de vendas, “em 2009 a Reclamante já havia possuído metas acima dos R$200.000,00” e que “as metas perto dos R$200.000,00 foram mantidas inclusive no segundo semestre de 2011 onde a Autora diz ter tido suas metas aumentado em damasia” (fl. 168-172).
Em audiência, a ré foi intimada para juntar os relatórios de metas de todos os empregados da área comercial de Curitiba, sob as penas do art. 359 do CPC (fl. 455) e apresentou os documentos de fls. 457-477. A autora impugnou os documentos, alegando que “divergem totalmente dos números de metas apresentados pela reclamante com os documentos carreados com a peça exordial” (fls. 479-480).
Assim decidiu o Juízo de origem (fls. 520-521):
“A reclamada juntou aos autos os relatórios de metas solicitados em audiência (fls. 459-477), mostrando-se indevida a aplicação do contido no artigo 359 do Código de Processo Civil, porque em relação à reclamante e a paradigma MARIA ALICE os aludidos documentos já haviam sido apresentados (fls. 359-361).
A reclamada pagava remuneração variável (prêmio) e não comissões, pois sujeita ao cumprimento de metas (regulamento da fl. 367, por exemplo).
Tratando-se de pagamento de remuneração variável, parcela cujo regramento não está previsto em lei, não há que se cogitar de irregularidade, ilegalidade ou “injustiça” quanto aos critérios instituídos pela reclamada para sua aferição.
Inexiste norma que assegure ao empregado o recebimento de determinado percentual de “comissões” ou que obrigue o empregador a fazê-las incidir sobre o faturamento ou, ainda, que impeça a alteração das metas. Por isso, desde que assegure o recebimento mensal de valor superior ao mínimo legal, qualquer critério estabelecido pela reclamada será considerado válido e juridicamente vinculante, de modo que somente sua violação ou a impossibilidade de sua verificação ensejaria direito a diferenças.
A prova oral permite concluir que a alteração das metas era realizada previamente à prestação do serviço, ou seja, primeiro o empregado recebia a nova meta, depois trabalharia para atingi-la (testemunha MARIA ALICE e CLEONI).
A simples alteração prévia de metas não implica reconhecer a existência de alteração ilícita do contrato de trabalho, na medida em que o procedimento é inerente à forma de remuneração e à necessidade de ajuste ao mercado.
Tomando-se como exemplo as metas distribuídas para paradigma MARIA ALICE no último semestre de 2011 (fl. 361), é de fácil percepção que não houve aumentou “exclusivamente para a reclamante” (fl. 6).
Analisando os documentos das fls. 459-477, observo que todos os empregados que se ativaram no período tiveram as metas majoradas proporcionalmente, o que denota que a reclamante não foi discriminada.
As metas do último semestre de 2011 realmente se mostram “arrojadas”, entretanto, não procede a alegação de que foram fixadas com o nefasto intuito de simplesmente frustrar o recebimento da variável, porque vários empregados conseguiram superá-las (MARIA ALICE, LUCIANE, KELLY e MARCILENE, por exemplo).
Note-se que não cabe ao Judiciário modulá-las, sob pena de invadir o poder diretivo do empregador, de modo que não se configurando a alteração ilícita ou o tratamento discriminatório relatado na inicial, reputo não existirem as diferenças da rubrica postuladas pela reclamante.
Rejeito.”
Aduz a autora que houve confissão ficta quanto às alegadas alterações unilaterais em seu contrato de trabalho, visto que a preposta declarou desconhecê-las. Afirma que o depoimento da testemunha Cleoni confirmou a tese obreira e que os documentos juntados aos autos “comprovam que no último trimestre do ano de 2011, a reclamada extrapolou todos os limites do razoável, impondo um acréscimo de praticamente 100% (cem por cento) nas metas da reclamante, o que não ocorreu com os demais funcionários”. Sustenta que, em decorrência do aumento de suas metas mensais, o seu percentual de atingimento de metas reduziu, apesar de ter mantido o faturamento. Informa que recebia comissões pelas vendas operadas e que estas só eram pagas a partir do atingimento de 80% das metas, concluindo que “o aumento indiscriminado da meta mensal somente para a autora, teve o intuito de lhe retirar o pagamento da parcela variável.”. Requer a reforma da sentença a fim de que a ré seja condenada ao pagamento das diferenças de comissões.
Analiso.
Inicialmente, destaco que a confissão ficta da ré ante o desconhecimento dos fatos pela preposta não leva ao deferimento automático dos pedidos da exordial. A presunção de veracidade dos fatos narrados na inicial é relativa. Por isso, os pedidos da reclamante devem ser analisados pelo magistrado junto a outros elementos dos autos. Nesse sentido é a Súmula 74, II do TST: “II – A prova pré-constituída nos autos pode ser levada em conta para confronto com a confissão ficta (art. 400, I, CPC), não implicando cerceamento de defesa o indeferimento de provas posteriores. (ex-OJ nº 184 da SBDI-1 – inserida em 08.11.2000)”.
A questão resume-se a aferir se a empresa alterou as regras para pagamento de comissões de forma ilícita, aumentando as metas mensais apenas para a autora, de modo a retirar-lhe o pagamento da remuneração variável.
A autora juntou documento que prevê a política de remuneração variável (fls. 73-78) e explicou que os empregados recebiam comissões nos percentuais previstos nas tabelas constantes desse documento, iniciando com 10% sobre o faturamento desde que atingisse 80% da meta mensal. Informou, ainda, que a empregadora redistribuía as metas a cada trimestre.
A ré juntou os documentos de fls. 359-361 e 459-477 que demonstram as metas e o faturamento total mensal da autora e de todos os empregados da área comercial de Curitiba, conforme determinado em audiência (fl. 455).
A autora impugnou referidos documentos, alegando que divergem dos números de metas apresentados pela reclamante nos documentos juntados com a inicial (fl. 479).
Na audiência de instrução realizada em 21 de julho de 2014, foram colhidos os depoimentos da autora, da representante da ré, de uma testemunha a convite da autora e de uma testemunha a convite da ré, pelo sistema audiovisual Fidelis. Também foi ouvida uma testemunha a convite da autora por carta precatória.
A autora disse que “existe uma carteira de clientes, as metas eram definidas a partir de negócios novos que eles geravam em cima dessa carteira”.
A preposta disse que não tinha conhecimento sobre alterações no contrato de trabalho da autora. A testemunha da autora (Sandro Roberto Ferigotti) não foi perguntada sobre a política de remuneração variável e redistribuição de metas. A testemunha da ré (Maria Alice Paes Landim) afirmou que todos os empregados demonstram descontentamento quando recebem as metas, “e correm atrás porque é sempre um desafio a meta”.
A testemunha da autora ouvida por carta precatória (Cleoni Clesio dos Santos Luz) disse (fl. 509):
“13) que as metas eram estabelecidas por trimestre sem um parâmetro razoável, como, por exemplo, atingida a meta em um trimestre, no seguinte poderia ser dobrada, permanecendo o empregado com a mesma carteira de clientes; 14) que a meta deveria ser alcançada em 3 situações: venda nova, manutenção dos clientes e markenting service (MS), sendo que, caso não atingida a meta em uma das situações, não haveria recebimento de bonificação; 15) que as metas eram fixadas e distribuídas a critério do regional e do gerente, sendo que a autora era sempre penalizada devido à sua carteira de clientes conter empresa de grande porte, O Boticário;”
Pois bem.
Não obstante a impugnação da autora quanto aos relatórios de meta e faturamento juntados pela ré, alegando que divergem dos números apresentados na inicial, a reclamante não produziu prova capaz de desconstituir as informações constantes em tais documentos. Ademais, observo que os documentos apresentados pela autora às fls. 87-95 e 98 estão ilegíveis. Ainda, os documentos de fls. 79-86 tratam de “projeção mensal”, com o mês de referência escrito de forma manual.
Por outro lado, nos documentos de relatório de metas de fls. 359-361 e 459-477, a empresa ré indica qual a meta de cada empregado, o faturamento real alcançado, assim como o percentual de cumprimento da meta de cada empregado por mês. Assim, concluo que os documentos de relatórios de metas juntados pela ré são aptos a demonstrar as alterações das metas da autora e demais empregados da área comercial de Curitiba.
Com efeito, não há insurgência quanto ao fato de que as metas eram repassadas aos empregados antes do início dos trabalhos em cada novo trimestre. A própria autora informou na inicial que as metas eram redistribuídas previamente a cada trimestre, o que foi confirmado pela testemunha da ré, Maria Alice Paes Landim.
Em que pesem as alegações da autora, não há como concluir que as metas do último trimestre de 2011 foram alteradas de forma arbitrária, com um acréscimo “de praticamente 100%” e apenas para a reclamante.
Da análise do documento de fl. 359, infere-se que o acréscimo nas metas da autora não foi “de praticamente 100%”. Considerando a média dos trimestres, tem-se que a meta média da autora no penúltimo trimestre foi de R$ 191.541,00 e no último trimestre R$ 258.926,00, o que representa um acréscimo médio de 35%. Já o documento de fl. 361 demonstra que a empregada Maria Alice Paes Landim também teve suas metas majoradas no último trimestre de 2011, não obstante apresente metas muito superiores àquelas designadas para a autora. No penúltimo trimestre de 2011 a meta média de Maria Alice Paes Landim foi de R$ 291.677,00 sendo majorada para R$ 311.168,00 no último trimestre de 2011. O mesmo aconteceu para as empregadas Ana Paula Penteado Daniel e Luciane Cristini Flavio, como se vê nos documentos de fls. 472 e 474.
Vale registrar, ainda, que a meta da autora já atingiu valores maiores que aqueles previstos para o último trimestre de 2011. É o que se percebe no período de abril a junho de 2009, em que a meta média da autora foi de R$ 265.648,00, com cumprimento médio de 111% (fl. 359). Assim, concluo que as variações nas metas se davam de forma semelhante para todos os empregados, para mais ou para menos, ao longo dos meses, o que sugere a consideração, pela empresa, de fatores econômicos na distribuição das metas.
Ante o exposto, não tendo a autora se desvencilhado do ônus de prova que lhe cabia (art. 818 da CLT c/c art. 333, I do CPC), a manutenção da sentença é medida que se impõe.
Nego provimento.
2. Equiparação salarial
A autora alegou na inicial que durante todo o contrato de trabalho desempenhou as mesmas funções que a paradigma Maria Alice Paes Landim, com mesma perfeição técnica e produtividade. Não obstante, o salário fixo da paradigma era aproximadamente 50% maior. Sustentou que tem direito ao pagamento das diferenças salariais, com base no art. 461, da CLT (fls. 24-25).
A ré contestou afirmando que, quando da admissão da autora, a paradigma era empregada da ré há 18 anos e ocupava o cargo de “Gerente de Contas 3”. Disse que em 2009 a paradigma foi promovida ao cargo de “Gerente de Contas 5” e “possuía uma carteira de clientes completamente diferenciada daquela gerenciada pela Autora”. Informou que a autora “foi admitida em 2008 para exercer as funções de “Gerente de Conta 1” sendo promovida para “Gerente de Contas 2″ somente em 2011”. A tese da defesa é a de que a paradigma ocupava nível superior no cargo (nível 5, enquanto que a autora estava no nível 1 e, a partir de 2011, nível 2), com metas e alçadas superiores, bem como carteira de clientes diferenciada. A reclamada sustentou que a paradigma possuía maior experiência, produtividade e perfeição técnica em comparação à autora (fl. 180-182).
Restou decidido na r. sentença (fls. 521-523):
“A equiparação será concedida quando ficar comprovado que o reclamante exercia atividades idênticas às do(s) paradigma(s) indicado(s), independentemente de sua denominação, embora percebesse remuneração inferior, não sendo consideradas nesse parâmetro as vantagens de ordem pessoal.
De acordo com o art. 461 da Consolidação das Leis do Trabalho, cuja interpretação está consolidada na Súmula n. 6 do E. Tribunal Superior do Trabalho, exige-se ainda que os empregados comparados prestem serviços no mesmo município ou região metropolitana. Não deve existir diferença de tempo no exercício da função superior a dois anos, pessoal organizado em quadro de carreira ou distinção de produtividade e perfeição técnica na realização dos serviços.
Postas essas premissas, passo à análise do caso concreto.
Incontroverso que na reclamada não existia quadro de carreira (plano de cargos e salários).
Os resumos dos depoimentos registram que:
Reclamante: cada gerente tinha sua pasta. A do paradigma era menor. O faturamento médio da carteira do modelo era maior do que o da reclamante
Preposta: desconhece as diferenças práticas das atividades da reclamante e do paradigma. Sabe apenas que tinham pastas de clientes diversas. Não há treinamento diferenciado para lidar com as pastas de clientes.
Testemunha SANDRO: O trabalho dos gerentes de contas era o mesmo. A diferenciação de níveis era dada por promoções. Mencionou faturamento e depois disse desconhecer exatamente os critérios.
Testemunha MARIA ALICE: trabalha para a reclamada desde 1980, atualmente na função de executiva de vendas. A depoente (paradigma) atendia Bancos e seguradoras, diferentemente dos demais gerentes de vendas. O faturamento é maior, assim como o risco da carteira, o número de demandas. Isto sem mencionar a necessidade de estar sempre informado quanto à regulamentação do setor. O faturamento mensal dos clientes da depoente era de 500 mil mensais e o anual de 6 a 7 milhões. As carteiras comuns, dos demais gerentes, tinham faturamento mensal de 350 mil, em média, e o anual de 2 a 3 milhões. O Boticário é uma empresa grande, mas em termos de faturamento é pequeno.
Testemunha CLEONI (fl. 509): “o depoente trabalhou para a ré de 2002 até o fim de 2011, na última função como executivo contas/vendas; […] não havia diferença entre o trabalho realizado pelos gerentes 1, 2, 3 e 4, sendo que a única diferença incidia sobre a remuneração; 10) que já aconteceu de os gerentes 1 e 2 terem carteira de clientes maior que a dos gerentes 3 e 4; 11) que havia distinção entre a carteira de clientes do depoente e da autora, qual seja, a carteira da autora era maior, com mais sobrecarga de trabalho; 12) que havia diferença de faturamento entre as carteiras, sendo que a autora atendia O Boticário, dentre outras; […].
A prova oral deixou assente a existência de diferença entre as carteiras de clientes atendidos (faturamento, que não se confunde com o porte da empresa). Conquanto não exista diferença na função propriamente, a carteira de clientes determinará se haverá maior ou menor demanda de trabalho, problemas a resolver, volume de negócios etc.
Desse ângulo, entendo justificada a diferença de salário entre a reclamante e a paradigma MARIA ALICE, porque, não obstante a primeira atendesse uma grande empresa como O Boticário, a carteira de clientes da segunda era diferenciada (bancos e seguradoras), com faturamento maior.
Rejeito.”
Insurge-se a autora alegando a confissão ficta da ré, pois a preposta afirmou desconhecer “se havia diferenças nas atividades de fato entre reclamante e paradigma”. Sustenta que houve a confissão real “quando a preposta informa que não havia distinção em treinamento para o cargo exercido pela reclamante e pela paradigma”. Destaca que as testemunhas confirmaram que a autora e a paradigma desempenhavam as mesmas funções. Defende que “O argumento trazido com a r. Sentença acerca da diferença de faturamento não poderá prevalecer, visto que para tal condição os empregados eram remunerados com o pagamento de comissões, ou seja, maior o faturamento da carteira já implicava em pagamento de remuneração variável a cada empregado, de acordo com a condição pessoal”. Requer a reforma da sentença a fim de que a ré seja condenada ao pagamento de diferenças salariais decorrentes da equiparação salarial.
Examino.
Como já mencionado no tópico anterior, é certo que a confissão ficta da ré ante o desconhecimento dos fatos pela preposta não leva ao deferimento automático dos pedidos da inicial. A principal consequência dessa confissão ficta é a de presumir como verdadeira a versão contida na petição inicial desses fatos que a preposta desconhece. Todavia, trata-se de presunção relativa, que pode ser afastada pelas demais provas existentes no caderno processual. “O desconhecimento dos fatos pelo preposto faz incidir os efeitos da confissão ficta, que importa a presunção de veracidade dos fatos alegados na inicial. Essa presunção, entretanto, é relativa (juris tantum), e pode ser desconstituída por prova em contrário” (Processo: AIRR – 1488-98.2011.5.02.0203 Data de Julgamento: 23/04/2014, Relatora Ministra: Kátia Magalhães Arruda, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 02/05/2014).
A equiparação salarial é medida utilizada para se observar o princípio da isonomia, garantindo aos trabalhadores com iguais atribuições os mesmos salários. Encontra previsão constitucional, consoante a proibição de discriminação do inciso XXX, artigo 7º, bem como conforme o disposto no artigo 5º “caput” e inciso I. Nesse sentido, é o que expressa a seguinte ementa:
“EQUIPARAÇÃO SALARIAL. ARTIGOS 5º, CAPUT, E INCISO I, 7º, XXX E XXXII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E 461 DA CLT. O instituto da equiparação salarial, previsto no artigo 461 da CLT, encontra fundamento precípuo no princípio antidiscriminatório, insculpido nos artigos 5º, caput, e inciso I, e 7º, XXX E XXXII, da Carta Magna, e assegura ao empregado idêntico salário ao de seu colega de trabalho, que tenha exercido função idêntica, simultaneamente, na mesma localidade e para o mesmo empregador. Este princípio, como ressalta FORSTHOFF, citado por MENDES, G.F. (Curso de Direito Constitucional, p. 158. São Paulo: Saraiva, 2008) como regra jurídica, tem caráter suprapositivo, anterior ao Estado de Direito, ou seja, mesmo que não constasse do texto constitucional teria que ser respeitado. Na hipótese em apreço, evidenciado o labor em igualdade de condições e atendidos aos requisitos do artigo 461 da CLT, impõe-se a reforma da sentença de primeira instância para acolhendo a pretensão do autor, deferir a pretensão alusiva a diferenças salariais e reflexos decorrentes de equiparação.” (Autos nº 02414-2007-654-09-00-0, publicados em 09-03-2010. Relatora: ROSEMARIE DIEDRICHS PIMPÃO.
Nos termos do artigo 461 da CLT, para que seja reconhecida a equiparação salarial devem ser preenchidos os seguintes requisitos: identidade de empregador e de função, mesma localidade, diferença de tempo de função não superior a dois anos, mesma produtividade e perfeição técnica e que a empregadora não tenha o pessoal organizado em quadro de carreira. Tais requisitos são interdependentes, ou seja, devem verificar-se de forma concomitante, sendo que a ausência de qualquer deles afasta a caracterização de equiparação salarial. À autora cumpre fazer prova da identidade funcional e da simultaneidade na prestação de serviços, de acordo com o artigo 818 da CLT, fatos que, por questão de lógica, devem ser objeto de comprovação preferencial àqueles incumbidos à ré, a quem cabe comprovar as diferenças de produtividade, de perfeição técnica e de tempo de serviço, consoante se extrai do inciso VIII da Súmula nº 6, do C. TST.
No caso em tela, de acordo com a CTPS (fl. 33), a autora foi admitida em 19/05/2008 no cargo de agente de negócios. A ficha funcional revela (fls. 186-187) que a autora permaneceu na função de “gerente de contas 1” da admissão até junho de 2011, sendo promovida ao cargo de “executivo de vendas 2” em julho de 2011.
A ficha funcional de fls. 254-255 demonstra que a paradigma foi admitida em 12/02/1980 e ocupou o cargo de “gerente de agência 3” de agosto de 1995 a julho de 2009, “gerente de contas 5” de agosto de 2009 a junho de 2011 e “executivo de vendas 5” a partir de julho de 2011.
Tendo em vista a diferença de nomenclatura dos cargos, necessária a análise da prova oral para averiguar se havia exercício das mesmas funções, ônus que competia à reclamante.
Os depoimentos foram colhidos pelo sistema audiovisual Fidelis, tendo sido ouvida a autora, a representante da ré, bem como duas testemunhas, sendo uma a convite da autora e uma a convite da ré. Ainda, foi expedida carta precatória para oitiva de uma testemunha arrolada pela autora, sr. Cleoni Clesio dos Santos.
A autora disse que “cada gerente tinha uma carteira distinta; que nada diferenciava a carteira de clientes da autora para a de Maria Alice; que às vezes era diferente o volume, meta e o valor do faturamento e volume de clientes; a carteira de clientes de Maria Alice era menor em número de clientes e um pouco maior em faturamento; o faturamento médio era equivalente, exemplifica que ambas tinham clientes que se equiparavam, tinham clientes grandes e clientes pequenos”.
A preposta da ré afirmou que “a depoente sabe que as duas trabalhavam na área comercial e que cada uma tinha uma carteira de clientes diferente, porém sobre as atividades de cada uma, a depoente nada pode afirmar; que há diferença entre as atividades de gerente de agência e gerente de contas, são atividades totalmente diferentes; que não havia treinamentos diferentes de acordo com as pastas de clientes”.
A testemunha da autora (Sandro Roberto Ferigotti) disse que:
“Perguntas pela Autora: a rotina de trabalho dos gerentes de contas era a mesma; as atividades eram as mesmas, independente de segmento e tamanho das empresas; Perguntas pela Ré: pelo trabalho desenvolvido os gerentes tinham promoções: gerentes 1, 2 ou 3, mas os critérios de promoção não eram muito claros; o depoente imagina que essas promoções se davam de acordo com o trabalho desenvolvido; sabe que havia um prêmio para aqueles que extrapolavam em muito as metas, não tinha relação com o faturamento das empresas; que na prática a função dos gerentes 1, 2 e 3 era a mesma”.
A testemunha da ré (Maria Alice Paes Landim) afirmou:
“Perguntas pela Ré: a carteira de clientes da depoente até hoje é diferente da carteira de clientes dos demais empregados da ré pois atende bancos e seguradoras; como são empresas com faturamento muito maior, portanto com risco maior, eles demandam mais, pois possuem uma linha de crédito por linha de produto; essas empresas possuem demandas maiores; além de tudo isso, bancos e seguradores tem que se submeter aos respectivos órgãos reguladores, que exige da depoente estar sempre antenada, por dentro das resoluções que saem no mercado; a carteira de clientes da depoente sempre teve faturamento de R$ 500.000,00 / R$ 600.000,00 ao mês, em torno de R$ 6.000.000,00 / R$ 7.000.000,00 ao ano; a depoente sabe que o faturamento da carteira comum de clientes dos demais gerentes girava em torno de R$ 350.000,00, ou R$ 2.000.000,00 a R$ 3.000.000,00 ao ano; Perguntas pela Autora: a depoente não sabe dizer com certeza se na época da autora havia empresas pequenas em sua carteira; na carteira de clientes da depoente há empresas menores que compõe o grupo econômico das empresa grandes; a depoente não acredita que na carteira de clientes da autora havia empresas de grande faturamento, havia empresas grandes, como a Boticário, mas a média de faturamento era sempre a mesma; o faturamento implica diferença por segmento de carteira, como por exemplo os bancos tem que seguir uma resolução de política de responsabilidade sócio-ambiental, política contra lavagem de dinheiro; e essas políticas específicas não existem nas empresas em geral, nas carteiras normais; a diferença é por segmento de carteira e não pelo faturamento.”
A testemunha da autora (Cleoni Clesio dos Santos) ouvida por carta precatória, afirmou (fl. 509):
“(…) 9) que não havia diferença entre o trabalho realizado pelos gerentes 1, 2, 3 e 4, sendo que a única diferença incidia sobre a remuneração; 10) que já aconteceu de os gerentes 1 e 2 terem carteira de clientes maior que a dos gerentes 3 e 4; 11) que havia distinção entre a carteira de clientes do depoente e da autora, qual seja, a carteira da autora era maior, com mais sobrecarga de trabalho; 12) que havia diferença de faturamento entre as carteiras, sendo que a autora atendia O Boticário, dentre outras; (…)”
A prova oral colhida demonstra que não havia diferenciação entre as atividades desenvolvidas pela autora e paradigma. No entanto, a ré demonstrou que havia diferenças no grau de experiência e perfeição técnica no trabalho desenvolvido pela autora e paradigma, ocasionando uma diferença de produtividade apta a justificar a diferença salarial, ônus que lhe competia, por ser fato impeditivo do direito da autora ao recebimento das diferenças salariais (artigo 818 da CLT e 333, II do CPC).
O depoimento da testemunha da ré, Maria Alice Paes Landim, foi convincente ao justificar a diferenciação de sua carteira de clientes. É certo que a complexidade narrada, em decorrência de possuir uma carteira de clientes composta de bancos e seguradoras, torna o trabalho da paradigma mais complexo e exige conhecimentos técnicos mais específicos, que não são necessários para atender clientes comuns, ainda que de grande porte. Tais circunstâncias, por consequência, revelam uma diferença de produtividade entre o trabalho da autora e paradigma, como bem decidiu o juízo de origem.
Não bastasse, ainda que superada a questão da identidade de função e diferença de produtividade, a insurgência recursal esbarraria no tempo de serviço superior a 2 anos, porquanto a paradigma Maria Alice passou a exercer a função de “gerente de agência” (nomenclatura anterior do cargo “gerente de contas”) em 01/08/1995 (fl. 255), enquanto que a reclamante foi admitida na ré em 19/05/2008.
Ante todo o exposto, mantenho.
3. Danos morais
O MM. Juízo de origem rejeitou o pedido de indenização por danos morais nos seguintes termos (fls. 524-526):
“A constituição da obrigação de indenizar depende do preenchimento dos requisitos previstos nos artigos 186 e 927, caput, do Código Civil, quais sejam a adoção de conduta ilícita ou abusiva, a ocorrência do dano, a existência de nexo causal entre os dois elementos anteriores, e a culpa (lato senso) do agressor.
O assédio moral consiste em “um abuso emocional no local de trabalho, de forma maliciosa, não-sexual e não-racial, com o fim de afastar o empregado das relações profissionais, através de boatos, intimidações, humilhações, descrédito, isolamento” (FONSECA, Rodrigo Dias da. Assédio moral: breves notas. In Revista LTr legislação do trabalho. São Paulo: LTr, ano 71, n. 01, jan.2007, p. 35). Ou ainda: “qualquer conduta abusiva, que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho” (FONSECA, Assédio moral: breves…, p. 35).
A partir disso, é possível identificar suas principais características: a) conduta abusiva (dolo ou conduta dolosa): o assédio moral não aceita conduta meramente culposa; b) repetição ou sistematização: exige-se a reiteração da conduta danosa; c) dano à integridade psíquica ou física de uma pessoa: sob este aspecto, é importante ressaltar que nossos Tribunais vêm decidindo, majoritariamente, que a dor moral não é suscetível de comprovação, de modo que, baseado na observação do que ordinariamente acontece, o juiz deve levar em consideração o padrão do homem médio para a determinação da ocorrência ou não do comentado dano à pessoa; d) ameaça ao emprego ou degradação do clima de trabalho: as condições de trabalho devem proporcionar ao agressor a convicção de que a vítima não reagirá.
Pois bem. Toda relação comunitária é essencialmente conflituosa, porque a convivência com outros indivíduos pressupõe limitação à plena realização de nossos interesses pessoais e, por consequência, a tolerância.
É evidente que não podemos admitir ou considerar normais condutas que violem regras mínimas de respeito e urbanidade. Contudo, não seria razoável considerar que todo desvio ou desconforto gerado pelo comportamento de outrem constitua fonte inafastável de dano moral. Fosse assim, todo conflito seria potencialmente ofensivo ao patrimônio imaterial dos envolvidos, já que pressupõe um ato ou uma omissão ilícita.
A prova oral registra que:
Reclamante: sem perguntas.
Preposta: o gestor direto da reclamante era Bernardo. Jorge Armando era gerente regional. Não sabe o motivo da demissão da reclamante.
Testemunha SANDRO: Não teve problema com gestor, que fugissem o normal do trabalho. Havia ameaça de dispensa em caso de baixo rendimento. Acreditavam nas ameaças. Nada viu especificamente em relação à reclamante.
Testemunha MARIA ALICE: nunca teve problema com gestores. Não viu a reclamante ter. Nunca presenciou ameaças relacionadas ao baixo rendimento. Bernardo era muito gentil. Nunca viu Jorge Armando ser grosseiro com qualquer empregado. Uma única vez ouviu dizer que a reclamante discutiu com um dos líderes. Descontentamento com metas todos tem.
Testemunha CLEONI (fl. 509): “que as metas eram estabelecidas por trimestre sem um parâmetro razoável, como, por exemplo, atingida a meta em um trimestre, no seguinte poderia ser dobrada, permanecendo o empregado com a mesma carteira de clientes; 14) que a meta deveria ser alcançada em 3 situações: venda nova, manutenção dos clientes e markenting service (MS), sendo que, caso não atingida a meta em uma das situações, não haveria recebimento de bonificação; 15) que as metas eram fixadas e distribuídas a critério do regional e do gerente, sendo que a autora era sempre penalizada devido à sua carteira de clientes conter empresa de grande porte, O Boticário; 16) que a autora era constantemente ameaçada de ser dispensada caso não atingisse as metas; 17) que o relacionamento da autora com o gerente Jorge Armando não era amistoso, uma vez que este a ameaçava de demissão e proferia palavras de baixo calão, tais como ‘se não fechar esta meta, está todo mundo fodido’, ‘você vai se ferrar'”.
A alteração ilícita de metas de modo proposital para frustrar o recebimento da variável não foi reconhecida nesta sentença. Também, não há prova nos autos de que a reclamante tenha sido coagida a pedir demissão, nem mesmo que o gerente Bernardo tenha orientado os outros empregados a omitir informações de negócios para prejudicar a parte autora.
Os relatos dos convidados da reclamante são divergentes entre si, pois o primeiro disse que as ameaças de dispensa eram generalizadas e o segundo, que elas se dirigiam especificamente à reclamante. Ainda, a testemunha MARIA ALICE afirmou que Bernardo era gentil e que Jorge Armando, apesar de ser difícil, não tratava diretamente com a equipe.
Em razão disso, convenço-me de que o desentendimento que houve entre a reclamante e um dos gestores, que sequer ficou bem esclarecido, não configura assédio moral.
Rejeito.”
Aduz a autora que houve confissão ficta quanto à alegação de que seu pedido de demissão decorreu do assédio moral sofrido. Alega que os depoimentos das testemunhas Sandro e Cleoni confirmam que a autora sofreu assédio moral. Sustenta, ainda, que o assédio moral restou comprovado pela prova documental que revela “que houve aumento substancial das metas para a reclamante no último semestre de 2011 e ainda que a mesma era constantemente ameaçada de demissão”. Defende que o depoimento da testemunha da ré não pode prevalecer “porque ainda é empregada e há o poder reverencial que deve ser levado em conta, ou seja, certamente há receio por parte da testemunha, sendo certo que a mesma não falou a verdade”. Afirma que além da coação moral, a diminuição em sua remuneração variável decorrente do aumento das metas “depreciaram e degradaram o ambiente de trabalho, desestimulando a reclamante, diminuindo a alto estima da mesma, causando-se sentimento de tristeza e amargura”. Sustenta que a ré praticou ato ilícito, abusando do poder diretivo e ofendendo a honra e dignidade da autora. Requer a reforma da sentença a fim de que a ré seja condenada ao pagamento de indenização por danos morais.
Analiso.
Como já mencionado nos tópicos anteriores, a presunção de veracidade dos fatos narrados na inicial ante a confissão ficta da ré é relativa. Assim, os pedidos da reclamante devem ser analisados junto a outros elementos dos autos.
A autora afirmou na inicial que foi vítima de assédio moral nos últimos meses de trabalho, pois a ré aumentou suas metas de forma absurda e unilateral, visando causar-lhe prejuízo moral e material. Disse que o gerente, senhor Bernardo de Souza, “passou a coagí-la a pedir a demissão, inclusive tendo ficado um dia inteiro pressionando e tentando convencer a reclamante que o melhor era o desligamento da mesma, já que não conseguia mais atingir os objetivos traçados pela empresa (metas).”, o que culminou no seu pedido de demissão. Alegou que o gerente Bernardo orientou os demais empregados a ocultar informações de negócios perdidos dentro da carteira de clientes da reclamante, o que viola o código de ética da empresa, além de constranger a autora perante os diretores da ré. Acrescentou que o gerente regional, senhor Jorge Armando Carvalho Franzoso, pactuou com o assédio praticado pelo senhor Bernardo, “orientando a pressão para que a reclamante pedisse a demissão do emprego”. Pleiteou a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais (fls. 12-20).
A ré impugnou a tese da inicial, afirmando que a reclamante nunca foi ameaçada de demissão e não sofreu qualquer tipo de assédio por parte dos prepostos da reclamada. Sustentou que no caso dos autos não se verifica qualquer ato ilícito praticado pela ré, seja por ação ou omissão culposa ou dolosa, que pudesse ensejar indenização por danos morais. Defendeu que o ônus de provar as alegações incumbe à autora, nos termos dos artigos 333 do CPC e 818 da CLT (fls. 176-178).
De plano, faz-se necessário consignar que o assédio moral é caracterizado como a prática de atos e comportamentos que, de maneira ostensiva, repetida e/ou sistemática, revelam perseguição, ou pressão exagerada, que possa trazer danos à integridade psicofísica e moral da vítima, ou acarretar sua “exclusão” no ambiente de trabalho. Esse comportamento configura ato ilícito gerador do dano moral e deve ser provado pelo reclamante (artigos 818 da CLT e 333, I, do CPC).
O assédio moral no trabalho pode ser reconhecido pelos “atos e comportamentos provindos do patrão, gerente, superior hierárquico ou dos colegas, que traduzem uma atitude de contínua e ostensiva perseguição que possa acarretar danos relevantes às condições físicas, psíquicas e morais da vítima” (GUEDES, Márcia Novaes. “Terror psicológico no trabalho”. São Paulo: LTr, 2003, p. 33).
Por outro lado, o dano moral trabalhista consiste no “agravo ou constrangimento moral infligido quer ao empregado, quer ao empregador, mediante violação de direitos ínsitos à personalidade, como conseqüência da relação de emprego” (DALAZEN, João Oreste. Aspectos do dano moral trabalhista, Revista do Tribunal Superior do Trabalho, vol. 65, nº 1, out/dez 1999). A indenização relativa ao dano moral encontra amparo, inicialmente, no art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal, vez que, o último inciso, em particular, garante serem “invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. No âmbito infraconstitucional, a indenização por dano moral encontra-se assegurada no art. 186 do Código Civil, o qual dispõe que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Quanto ao ônus da prova, considerando os termos da defesa, competia à autora demonstrar os fatos constitutivos de seus direitos. a audiência de instrução, nada foi perguntado à autora quanto ao tema. preposta disse que “sabe que o gestor direto da autora era o Bernardo; o gestor regional era o Jorge Armando; a depoente não conhece o motivo da demissão da autora”.
A testemunha da autora (Sandro Roberto Ferigotti) afirmou:
“o depoente nunca teve problemas com os gestores; as cobranças em reuniões eram fortes; diziam que se não cumprissem as metas seriam mandados embora; o depoente não viu cumprirem essa ameaça; o depoente e os demais gerentes acreditavam nas ameaças; o depoente mesmo saiu da empresa em razão de uma alteração de carteira, assumiu uma carteira deficitária e foi mandado embora por isso, mesmo com 20 anos de trabalho na empresa; as ameaças eram feitas a todos de forma indistinta; o depoente não viu ameaças específicas direcionadas à autora”
A testemunha da ré (Maria Alice Paes Landim) disse:
“a depoente nunca teve problemas de relacionamento com os gestores; a depoente nunca viu a autora ter esse tipo de problemas; existiam cobranças, como em toda a atividade, mas acredita que nunca extrapolaram a normalidade; a depoente nunca presenciou ou se lembra de ameaças dos gestores de dispensa em razão do não cumprimento de metas; a depoente sempre gostou muito dos líderes que teve na empresa; Perguntas pela Ré: o Bernardo foi o líder mais gentil que a depoente teve na empresa; o Jorge era uma pessoa mais difícil de lidar, mas como era o gerente regional, não tinham contato no dia-a-dia, não havia muito contato direto com ele; as reuniões aconteciam mais com os líderes diretos; a depoente nunca presenciou o Jorge ameaçar alguém em reuniões, xingar ou ser grosseiro com alguém; Perguntas pela Autora: hoje existe uma reunião individual para gestão de performance duas vezes ao ano, mas não sabe se ela acontecia na época; a depoente não sabe dizer se a autora teve problemas com os gestores nessas reuniões; a depoente ouviu dizer que a autora teve uma discussão com os gestores numa dessas reuniões, mas estava de férias e não presenciou e não sabe dizer os motivos; a depoente afirma que todos têm descontentamentos com as metas estabelecidas, a própria depoente vivencia isso, mas corre atrás, pois é sempre um desafio”
A testemunha da autora ouvida por carta precatória (Cleoni Clesio dos Santos Luz) disse (fl. 509):
“16) que a autora era constantemente ameaçada de ser dispensada caso não atingisse as metas; 17) que o relacionamento da autora com o gerente Jorge Armando não era amistoso, uma vez que este a ameaçava de demissão e proferia palavras de baixo calão, tais como “se não fechar esta meta, está todo mundo fodido”, “você vai se ferrar”.”
Inicialmente, destaco que não há nos autos qualquer prova apta a demonstrar que os gerentes coagiram a autora a pedir demissão ou que orientaram os demais empregados a ocultar da autora informações de negócios perdidos dentro de sua carteira, conforme alegou a reclamante.
Quanto à cobrança de metas, esta é unânime nos depoimentos, mas não sua forma ostensiva ou abusiva. Em que pese o depoimento da testemunha Cleoni, que afirma que as ameaças de dispensa em decorrência do não cumprimento de metas eram dirigidas especificamente à autora, a outra testemunha da reclamante (Sandro), afirmou que “as ameaças eram feitas a todos de forma indistinta”, acrescentando que não viu ameaças específicas direcionadas à autora. Em contrapartida, o senhor Sandro esclareceu que nunca viu a ré cumprir referidas ameaças. Já a testemunha da ré, senhora Maria Alice, confirmou que existia a cobrança de metas, mas afirmou que não havia qualquer tipo de ameaça de demissão ante o seu não cumprimento.
Esta Turma entende que a cobrança de metas, por si só, não se evidencia abusiva, nem autoriza o deferimento de indenização. No caso dos autos, concluo que apesar de existir a cobrança de metas, não havia a alegada abusividade e ameaças para o seu cumprimento. Analisando a prova oral, não vislumbro irregularidade quanto a esse aspecto. Assim, a imposição de metas e sua exigência pela ré estão inseridas no poder diretivo do empregador.
Por fim, conforme fundamentação exposta no item 1, as provas constantes dos autos revelam que não houve o alegado “aumento substancial nas metas, de quase 100%, apenas para a autora”. Os documentos apresentados pela ré revelam que vários empregados também sofreram majoração em suas metas para o último trimestre de 2011, demonstrando que tais alterações eram baseadas em fatores econômicos e não visavam a discriminar ou punir qualquer empregado. Ademais, a majoração das metas da autora no último trimestre de 2011 foi, em média, de 35% em relação ao trimestre anterior, o que é compatível com as variações praticadas na ré e, inclusive, atingiu valores menores do que aqueles previstos para períodos anteriores.
No caso em tela, portanto, não se observa a demonstração de qualquer ato que atente contra a dignidade e a imagem da empregada.
Por todo o exposto, mantenho a sentença.
4. Reversão do pedido de demissão
A autora alegou na inicial que pediu demissão em decorrência das constantes ameaças de dispensa e da humilhação sofrida por não atingir as metas, o que demonstra vício de consentimento e torna nulo o seu pedido de demissão. Pediu a declaração de nulidade do pedido de demissão com a consequente reversão para a modalidade de dispensa sem justa causa. Em consequência, pleiteou o pagamento do aviso prévio proporcional (42 dias), entrega das guias para o seguro desemprego ou indenização equivalente e o pagamento da multa do FGTS (40%) (fls. 20-21).
A ré contestou afirmando que a própria inicial revela que a autora foi a única interessada em rescindir o contrato de trabalho, por não concordar com a política da ré, pelo que o pedido de demissão não pode ser anulado. Destacou que o “pedido de demissão não foi homologado porque a própria Autora confessa que recusou-se a homologar tal rescisão no sindicato”. Alegou que todas as verbas foram devidamente pagas à autora, pedindo a improcedência dos pedidos formulados na exordial (fls. 178-179).
Assim decidiu o juízo de origem (fls. 526-527):
“Além de ter confessado na petição inicial que pediu demissão, a próprio reclamante trouxe aos autos o documento da fl. 68, no qual comunica a reclamada que, por razões particulares, não mais prestará serviços àquela empresa.
Os vícios capazes de invalidar o negócio jurídico são o erro, o dolo, a coação, o estado de perigo, a lesão ou a fraude contra credores, como previsto no artigo 171, II, do Código Civil. Entretanto, nenhuma dessas circunstâncias foi comprovada pela reclamante, de modo a autorizar o acolhimento de seu pleito.
O contexto geral da causa de pedir evidencia que a empregada tinha plena consciência do ato que estava praticando e de sua extensão, eliminando assim a hipótese de erro.
Nenhuma prova revela que a parte reclamada tenha agido com a intenção específica de provocar a demissão. Logo, não há falar em dolo ou coação.
Também não vislumbro a configuração de estado de perigo, lesão ou fraude contra credores, porquanto isso nem sequer foi alegado na petição inicial.
A opção pelo pedido de demissão, aliada à impossibilidade de alegação de desconhecimento da lei (artigo 3º da lei de Introdução ao Código Civil), conduz-me à conclusão de que, no caso, não seria razoável reverter o motivo da extinção contratual.
Por conseguinte, não há falar em aviso-prévio proporcional e entrega de guias para movimentação da conta vinculada do fundo de garantia e habilitação no seguro-desemprego, tampouco em pagamento de tais rubricas de forma indenizada, porque reputado válido o pedido de demissão.
Rejeito, pois, a pretensão de nulidade do pedido de demissão e consectários.”
Alega a autora que o pedido de demissão decorreu dos atos ilícitos caracterizadores de assédio moral praticados pela ré, devendo a r. sentença ser reformada a fim de que a ré seja condenada “ao pagamento dos haveres rescisórios corretos, pois não houve o pagamento da multa de 40% do FGTS e a liberação do FGTS depositado em conta vinculada. Também, foi obrigado a pagar o aviso prévio ao empregador, bem como não o recebeu”.
Sem razão.
O pedido principal foi de que fosse declarada a dispensa sem justa causa (fl. 21), o que pressupõe a invalidação do pedido de demissão. Não foi expressamente pleiteada a rescisão indireta. Na verdade a autora pretende transferir a iniciativa da rescisão, que foi formalizada como sendo sua, para a empregadora, o que somente seria possível caso demonstrada a existência de algum vício de consentimento.
Por se tratar de fato constitutivo de seu direito, incumbia à autora comprovar que foi coagida a pedir demissão, nos termos dos artigos 818 da CLT e 333, I, do CPC.
No caso em tela, a autora alega que pediu demissão em 13 de janeiro de 2012 em razão do assédio moral sofrido. Sustenta que sofria ameaças de demissão, além de ser humilhada por não atingir as metas impostas pela ré nos últimos meses do contrato de trabalho. No entanto, conforme analisado no item anterior, a autora não comprovou suas alegações, ônus que lhe competia.
O motivo do pedido de demissão apresentado pela reclamante não impediria o reconhecimento da rescisão indireta, caso comprovada hipótese para sua declaração. Registre-se que não existe incompatibilidade entre o pedido de demissão e a rescisão indireta, quando o que leva ao pedido de demissão é a prática de assédio moral pela empregadora, situação em que o empregado pede o desligamento por não suportar mais a pressão, embora sua intenção efetiva fosse a preservação do emprego. No entanto, para o reconhecimento da rescisão indireta, é necessário que o empregado comprove a ocorrência de falta do empregador cuja gravidade impeça a continuidade da relação de emprego.
Contudo, não restou demonstrado nos autos que a autora foi vítima de dano moral na contratualidade, decorrente de humilhações pelo não atingimento das metas e de ameaças de demissão por parte do empregador.
Assim, entendo que a autora não comprovou o alegado motivo da demissão que fundou seu pedido de reversão para dispensa sem justa causa, não havendo nos autos qualquer motivo autorizador da rescisão indireta. Não foi demonstrado que os gerentes da ré humilharam a autora ou que a pressionavam para pedir demissão.
Ante o exposto, não há reforma possível.
5. Horas extras
Decidiu o julgador de origem (fls. 528-530):
“A reclamante pede horas extras, intervalos (71 e 384 da Consolidação das Leis do Trabalho) e reflexos. Para tanto, alega ter trabalhado de segunda a sexta-feira, das 8h00/9h00 às 19h30/20h00, com trinta/quarenta e cinco minutos de intervalo intrajornada. Ainda, “era obrigada a realizar atividades profissionais em sua residência, tais como responder e-mails, fazer relatórios diários, relatórios semanais, dentre outras, perfazendo pelo menos mais 3 horas semanais em tais atividades” (fl. 7).
Definição da jornada. A preposta disse que a reclamante fazia relatório de visita com indicação de data e horário de sua realização. A reclamante realizava trabalhos internos em horário flexível. Via-a pela manhã ou tarde ou às vezes o dia todo. O mais comum é que a reclamante comparecesse à empresa diariamente. Não sabe se o gestor aprovava as programações de visita da reclamante.
Todas as testemunhas inquiridas nos autos afirmaram que havia uma agenda eletrônica em que eram lançados os compromissos diários e que o gestor tinha acesso a ela.
A testemunha ouvida a convite da própria reclamada disse que no relatório pós-vendas constam os horários de início e término da visita.
Em vista disso, reputo que se a reclamada tivesse interesse ela teria adotado formalmente o controle de ponto, vale dizer, não havia impossibilidade de controle da jornada. Para que a empregadora não se beneficie da própria torpeza, afasto o enquadramento da reclamante na exceção prevista no artigo 62, I, da Consolidação das Leis do Trabalho.
Por conseguinte, aplica-se o contido no procedente firmado pela Súmula 338, I, do E. Tribunal Superior do Trabalho, eventualmente limitada pela prova oral.
Esclareça-se, contudo, que a situação do trabalho em finais de semana na residência da reclamante não se confunde com a ausência de controle das jornadas efetivamente cumpridas. Tal alegação, por se tratar de fato constitutivo do direito postulado, deve ser comprovada pela parte autora (artigo 818 da Consolidação das Leis do Trabalho).
A respeito dos horários de trabalho, a prova oral registra que:
Reclamante: trabalhava de segunda a sexta-feira, das 8h00 às 19h00/19h30, com trinta a quarenta e cinco minutos de intervalo, exceto uma vez por semana que podia usufruir uma hora. Nos finais de semana trabalhava em casa.
Preposta: desconhece as jornadas de trabalho da reclamante, porque era flexível. A reclamada funcionava as 08h00min às 18h00min. Raramente os empregados permaneciam na empresa depois deste horário. A reclamante tinha intervalo de uma a duas horas, dependendo de sua própria vontade.
Testemunha SANDRO: o depoente laborava de segunda a sexta-feira, das 08h00 às 19h00, com uma hora de intervalo. Três vezes por semana almoçava com a reclamante. Pelo que percebia, todos tinham jornadas parecidas.
Testemunha MARIA ALICE: no mínimo oito horas de trabalho por dia. Questionada sobre o tempo máximo, disse que é difícil falar. Há situações em que o labor superou oito horas. Já almoçou com a reclamante. Não sabe dizer a frequência. A duração do intervalo variava de uma a duas horas. Não havia preocupação de voltarem para cumprirem horário, a não ser que tivessem compromisso agendado. Acontecia de ter menos de uma hora para refeição. Não havia orientação quanto aos horários a serem cumpridos.
Testemunha CLEONI (fl. 509): “o depoente laborava das 08h às 19h30, com intervalo que variava de 20/30/40 min., de segunda à sexta; 8) que a autora realizava horário idêntico ao do depoente”.
Não reconheço a prestação de serviços em finais de semana, porque a prova oral não confirma tal alegação.
Considerando os limites a seguir indicados, fixo que a reclamante cumpriu jornada de segunda a sexta-feira, das 8h30min (média da inicial) às 19h00 (testemunha SANDRO), com uma hora de intervalo durante três dias na semana (testemunha SANDRO), sendo que nos outros dois dias o intervalo era de quarenta minutos (confissão).
Horas extras. A reclamante foi contratada para trabalhar 220 horas mensais e quarenta e quatro horas semanais (fl. 192), portanto, não há amparo legal ou contratual para se considerar como extra o labor excedente da 40ª hora.
De acordo com a jornada fixada, verifico que a reclamante usufruiu folga adicional aos sábados ao longo do contrato. Por isso admito a existência de acordo tácito para a compensação de jornada.
Contudo, porque o excesso semanal de serviço mostrou-se habitual, reputo aplicável à hipótese o precedente firmado na Súmula n. 85, III e IV, do E. Tribunal Superior do Trabalho, segundo a qual o tempo laborado além da oitava hora diária, quando não excedente de 44 horas semanais, deve ser remunerado ao menos pela incidência do adicional de sobrejornada.
(…)
Por todo o exposto, acolho parcialmente o pedido para condenar a reclamada a satisfazer: (a) horas extras além 44ª semanal; (b) adicional de horas extras sobre o tempo trabalhado além da 8ª hora diária, quando isto não implicar concomitante violação do limite semanal; (c) tempo reduzido do intervalo intrajornada, a título de horas extras; e, (d) intervalo previsto no artigo 384 da Consolidação das Leis do Trabalho, a título de horas extras.”
Alega a autora que “não há que se falar em acordo de compensação válido de forma tácita, na medida em que sequer alegado em sede de defesa, visto que a tese trazida pela reclamada foi de aplicação do artigo 62 da CLT”. Defende que não há qualquer prova de que o labor além da 8ª hora diária visava à compensação de eventual sábado não trabalhado. Afirma que havia a prestação de horas extras habituais, o que invalidaria eventual acordo de compensação, acrescentando que as horas extras habitualmente prestadas ultrapassam eventual compensação de sábado não trabalhado. Requer a reforma da sentença a fim de que a ré seja condenada ao pagamento de horas extras além da 8ª diária e 44ª semanal, de forma cumulativa.
Analiso.
As normas que tratam da duração do trabalho possuem natureza cogente. O estabelecimento que contar com mais de dez empregados está obrigado a registrar o horário de entrada e saída destes (art. 74, §2º, da CLT). A lei estabeleceu algumas exceções, como a prevista no inciso I do art. 62 da CLT. Para a configuração dessa hipótese excepcional, não basta que a atividade desempenhada pelo empregado seja externa, mas é essencial que, no caso concreto, seja efetivamente impossível o controle de horários. Dessa forma, a ausência de controle pelo empregador, embora sendo possível sua realização, não afasta sua obrigatoriedade, sob pena de tornar inócua a legislação atinente à duração do trabalho.
O simples fato de o trabalhador exercer atividade laborativa de caráter externo, por si só, não enseja o afastamento das normas relativas à duração do trabalho. Mais do que isso, é preciso que o tipo de trabalho por ele exercido seja incompatível com eventual pretensão de controle de sua jornada.
Nesse sentido:
“RECURSO DE REVISTA. MOTORISTA. TRABALHO EXTERNO. HORAS EXTRAS. O fato de o empregado prestar serviços de forma externa ou a omissão do empregador em fiscalizar a sua jornada de trabalho – nas hipóteses em que isto é possível – não ensejam, por si só, o enquadramento na exceção contida no art. 62, I, da CLT. Relevante para tanto aferir a existência de incompatibilidade entre a natureza da atividade exercida e a fixação do horário de trabalho, ou seja, a possibilidade, ou não, de controle da jornada de trabalho por parte do empregador. Recurso de revista conhecido e provido.” (TST-RR-1300-54.2010.5.24.0001, Relator: Ministro Hugo Carlos Scheuermann, 1.ª Turma, DEJT 5/7/2013.)”
Ao alegar que o caso concreto enquadra-se no art. 62, I, da CLT – fato impeditivo do direito da autora – a ré atraiu para si o ônus de provar sua assertiva (art. 818 da CLT c/c art. 333, II do CPC), do qual não se desvencilhou. No caso, a prova oral (depoimentos gravados via Fidelis) autoriza concluir pela possibilidade de controle da jornada praticada pela autora.
Em audiência, a autora disse:
“Questionada se a autora podia ir direto de sua casa para visitar um cliente, ou de um cliente ir direto para casa sem passar na empresa disse que normalmente não, tinha que sair da agência e voltar para agência; Requerida para descrever sua rotina de trabalho disse que existe uma carteira de clientes, as metas eram definidas a partir de negócios novos que eles geravam em cima dessa carteira, isso fazia com que ela tivesse uma parte de trabalho interno e uma parte trabalho externo, fazia visita a clientes, levantava negócios, trazia para dentro da empresa para aprovações; Perguntada se trabalhava um pouco dentro da empresa todos os dias disse que sim, diariamente, ao longo do mês fazia 50% dentro da empresa e 50% fora, dependia muito da agenda da autora, do volume de visitas que ela tinha, haviam as demandas que faziam com que ela tivesse que voltar para dentro da empresa, para tratar de relatórios, de propostas; Perguntada sobre a forma de controle fora da empresa disse que existia controle por meio de uma agenda eletrônica que era controlada pelo gestor do local e pelo gestor regional e qualquer ausência da agência tinha que estar registrado nesse sistema de agendamento eletrônico; principalmente era a autora que lançava os dados na agenda, não poderia estar fora da empresa sem ter nenhum compromisso agendado, e às vezes os gestores lançavam algum tipo de compromisso na agenda também; Perguntada se a agenda era lançada em tempo real disse que era uma previsão de trabalho e era obrigatória, se ela não estivesse dentro da empresa tinha que ter o registro da atividade nessa agenda; Perguntada como era definido o horário de alimentação disse que dependia aonde ela estava, mas em média ela fazia meia hora ou 45 minutos de almoço; Perguntada se já aconteceu de ela marcar um cliente às 8 ou 9 horas da manha e não ter que passar na empresa disse que normalmente ela ia na empresa primeiro, não saia direto, era uma determinação da gerência; Perguntada se não aparecesse na empresa e resolvesse marcar salão de beleza no meio da tarde tinha alguma punição disse que nunca fez isso, por isso ela não sabe, nunca tentou fazer isso;”
A preposta informou:
“a depoente não tem conhecimento sobre alterações do contrato de trabalho da autora; a autora tinha que fazer relatórios de visitas, do qual deveria constar os dados do cliente visitado, como razão social, CNPJ, endereço, data e horário; a depoente não tem conhecimento se deveria constar do relatório horário de início e de término da visita; a autora executava trabalhos internos na empresa; questionada sobre quantas horas a autora permanecia trabalhando internamente na empresa, disse que os horários eram flexíveis, as vezes a depoente via a autora pela só pela manhã, as vezes só a tarde, as vezes o dia todo, das 09h00 às 17h00 ou das 8h00 às 18h00; o mais comum era que a autora estivesse na empresa todos os dias, exceto quando tinha visitas para fazer; o roteiro de visitas era planejado pelo próprio funcionário; a depoente não tem conhecimento se o roteiro de visitas tinha que ser aprovado pelo gestor; questionada se já ouviu falar da sigla CRM, disse que não tem certeza, que conhece como uma área de São Paulo com esse nome; esclarecida pelo patrono da autora tratar-se de um software de controle e questionada se tem conhecimento de um software com esse nome (CRM), disse não ter ouvido falar; ”
A testemunha da autora (Sandro Roberto Ferigotti) disse:
“o depoente era gerente de contas, por aproximadamente 2007 até a saída; o depoente tinha rotina próxima dos outros gerentes; os gerentes tinham mais ou menos 50% das atividades internas e 50% das atividades externas; era o próprio gerente que agendava as visitas aos clientes; prestava contas das visitas aos clientes ao gerente comercial; toda a saída havia um relatório pós visita; antes da visita tinha que registrar na agenda data, hora, contato e telefone; depois da visita tinha que relatar o que tinha sido conversado na visita; as agendas eram vistoriadas pelo gerente comercial; o gerente comercial tinha acesso às agendas e ocasionalmente ele poderia ligar para saber onde cada um estava; ocasionamente ele ligava; o depoente crê que isso acontecia com todos os gerentes de contas; volta e meia o depoente recebia ligações no celular coorporativo”
A testemunha da ré (Maria Alice Paes Landim) declarou:
“a jornada de trabalho dos gerentes de contas era mais externo fazendo visitas a clientes; o trabalho depende muito da carteira de clientes; havia trabalho interno para preparar propostas, prestar contas e preparar o roteiro de visitas; o roteiro era registrado em agenda que ficava disponível ao gerente comercial; no relatório de visitas constava a data, horário e o tempo que permaneceu no cliente; nunca for cobrada em fazer atividades particulares durante o horário de trabalho; a depoente disse ter muita liberdade em relação a horário, atualmente, por exemplo trabalha home office; a depoente não sabe se na época da autora havia o sistema home office; a depoente nunca teve que justificar quando ia diretamente ao cliente e ou quando ia direto para casa depois das visitas; a agenda era feita sempre pelo gerente de contas, nunca era imposta; Perguntas pela Autora: a situação de ir direto para o cliente e depois direto para casa não precisava ser justificada para o gerente, pois as visitas sempre estavam visíveis na agenda; a depoente nunca teve que justificar isso; era a depoente que fazia o próprio roteiro; a depoente costumava colocar tudo que ela fazia na agenda, era do seu perfil comunicar até mesmo as atividades particulares, mas nunca se sentiu obrigada a justificar essas atividades”
A testemunha da autora ouvida por carta precatória (Cleoni Clesio dos Santos Luz) informou (fl. 509):
“2) que o depoente trabalhava internamente e externamente, sendo que 50% correspondente a cada uma das condições; reperguntas do(a) reclamante: 3) que os gerentes de contas são fiscalizados durante o horário de trabalho; 4) que o controle ocorria da seguinte forma: antes de o depoente realizar as atividades externas, devia submeter a relação de clientes ao gerente para aprovação, e após as visitas o gerente vistoriava os locais visitados, o que era feito com análise de relatório no sistema; 5) que o gestor tinha irrestrito acesso à agenda; 6) que havia obrigatoriedade de comparecimento diário na empresa; (…)”
Extrai-se da prova testemunhal que a autora realizava atividades internas e externas e que as atividades externas consistiam em visitas a clientes. As três testemunhas esclareceram que existia uma agenda eletrônica que registrava as atividades que o empregado estava realizando quando ausente da sede da ré. Informaram, ainda, que na agenda constava o cliente que seria visitado a cada dia e o horário e que esta ficava disponível para controle pelos gestores. Assim, considerando que autora e testemunhas (duas ouvidas a convite da autora e uma a convite da ré) depuseram no mesmo sentido, verifico que a ré tinha ciência da rota realizada pela empregada quando em atividade externa, bem como do tempo gasto para cada atividade, pois definida previamente.
As testemunhas acrescentaram que após cada visita o empregado tinha que elaborar um relatório contendo a data, o horário, o tempo que permaneceu no cliente, além do teor do que foi conversado. Aliás, a preposta confirmou a necessidade de elaboração de relatórios após as visitas aos clientes, confirmando que além de outros dados, tinha que constar o horário da visita. Desse modo, ante a harmonia dos depoimentos, considerando, inclusive, o depoimento da preposta, concluo que a ré tinha acesso ao roteiro e tempo despendido pela autora quando em labor externo, o que também demonstra a possibilidade de controle dos horários de trabalho da reclamante.
Assim, considerando os fatos extraídos dos depoimentos colhidos em audiência (a existência de uma agenda eletrônica, visível ao gestor, com as atividades externas que seriam exercidas pela empregada e a elaboração de um relatório após as visitas aos clientes constando, inclusive, o horário em que a visita ocorreu) concluo pela possibilidade da fiscalização da jornada da reclamante pela ré.
Uma vez comprovada a possibilidade de controle de horário, a ré estava adstrita ao controle de jornada e precisa pagar a jornada extraordinária, a não ser na hipótese de acordo de compensação de jornada. Porque a hora extra sempre implica na prorrogação da jornada, mas as horas trabalhadas em prorrogação nem sempre devidas como horas extras, pois a lei permite que essa prorrogação seja compensada através da redução equivalente, total ou parcial, de jornadas de trabalho. Essa compensação exige a existência de acordo formal e materialmente válidos. O acordo de compensação, sendo exceção à regra geral de duração da jornada de trabalho, deve ser cumprido em seus estritos termos, justamente para que se proteja a saúde do trabalhador que já estará em situação mais gravosa do que a normal.
Quanto à validade do acordo compensatório, ressalto que o artigo 59, § 2º, da CLT autoriza a adoção do regime, desde que não excedentes a duas horas diárias, “mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante contrato coletivo de trabalho”. Ou seja, não se pode admitir a existência de acordo de compensação tácito, consoante entendimento insculpido no inciso I da Súmula nº 85 do E. TST.
No caso em tela, não existe nos autos acordo de compensação formal. No entanto, em que pese a tese da defesa ser de que a autora exercia atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho (art. 62, CLT), o juízo de primeiro grau reconheceu que havia acordo tácito de compensação semanal, tendo em vista a ausência de labor aos sábados. Data venia o entendimento do juízo de origem, o acordo de compensação carece de validade formal.
Não bastasse, de acordo com a jornada reconhecida em sentença (“de segunda a sexta-feira, das 8h30min (média da inicial) às 19h00 (testemunha SANDRO), com uma hora de intervalo durante três dias na semana (testemunha SANDRO), sendo que nos outros dois dias o intervalo era de quarenta minutos (confissão)”), o labor em sobrejornada era habitual.
É entendimento deste Colegiado que os regimes de compensação e prorrogação são incompatíveis, mesmo quando previstos normativamente, por exigência do art. 7º, XIII, da CF/88. Neste sentido, o seguinte precedente desta Turma, da lavra do Exmo. Desembargador Marco Antonio Vianna Mansur, publicado em 22/10/2010, referente aos autos 00793-2008-655-09-00-0 (RO 23423/2009), o qual peço vênia para transcrever parcialmente e utilizar como razões de decidir:
“[…] Não é possível admitir a coexistência do regime de compensação e de prorrogação de jornada, posto que incompatíveis. Logo, deve o sistema de compensação implementado pela ré ser declarado inválido. O fato da norma coletiva autorizar a concomitância do regime de compensação e prorrogação de jornada não altera a invalidade do regime de compensação, eis que a negociação coletiva (artigo 7º, inciso XXVI, da CF) não pode desrespeitar direitos mínimos dos trabalhadores, nem contrariar texto de lei ou a Constituição Federal, especialmente o artigo 59 da CLT e artigo 7º, XIII, da CF. (destaquei)
Assim, inválido o regime de compensação semanal. […]”.
Assim, tem-se que o acordo de compensação reconhecido em sentença não tem validade material, vez que, com a jornada de trabalho fixada pelo juízo a quo, a autora cumpria jornada diária de 9 horas e 30 minutos durante três dias na semana e 9 horas e 50 minutos nos outros dois dias e jornada semanal de 48 horas e 10 minutos, ultrapassando, portanto, a jornada máxima diária e semanal permitidas.
Demonstrada, portanto, a invalidade formal e também material do regime compensatório tácito reconhecido em sentença.
Uma vez comprovada a possibilidade de controle de horário e considerando que a ré não apresentou os controles de jornada para se auferir a existência de horas extras impagas, ônus que lhe incumbia, presume-se verdadeira a jornada da inicial (Súmula 338, I, do TST), no que não infirmada pelas provas dos autos.
Como não há insurgência quanto à jornada fixada na sentença, prevalece que a jornada de trabalho cumprida pela reclamante era a seguinte: “de segunda a sexta-feira, das 8h30min (média da inicial) às 19h00 (testemunha SANDRO), com uma hora de intervalo durante três dias na semana (testemunha SANDRO), sendo que nos outros dois dias o intervalo era de quarenta minutos (confissão)”.
Em face da jornada reconhecida pelo juízo a quo, resta evidenciada a prestação de labor extraordinário. Por isso, são devidas horas extras, assim consideradas as laboradas além da 8ª hora diária e 44ª semanal.
Por fim, registro que o pedido de condenação ao pagamento de horas extras além da 8ª diária e 44ª semanal de forma cumulativa não pode prosperar, sob pena de bis in idem. Isto porque, a condenação cumulativa permitiria que a hora excedente do limite diário fosse computada novamente como extra em face da extrapolação do limite semanal, o que não é permitido.
Pelo exposto, reformo parcialmente a sentença para deferir o pagamento como extras das horas excedentes à 8ª diária e 44ª semanal, de forma não cumulativa, mantidos os demais parâmetros fixados pelo juízo de origem.
6. Intervalo intrajornada
Assim consta do julgado (fls. 528-531):
“A reclamante pede horas extras, intervalos (71 e 384 da Consolidação das Leis do Trabalho) e reflexos. Para tanto, alega ter trabalhado de segunda a sexta-feira, das 8h00/9h00 às 19h30/20h00, com trinta/quarenta e cinco minutos de intervalo intrajornada. Ainda, “era obrigada a realizar atividades profissionais em sua residência, tais como responder e-mails, fazer relatórios diários, relatórios semanais, dentre outras, perfazendo pelo menos mais 3 horas semanais em tais atividades” (fl. 7).
Definição da jornada. A preposta disse que a reclamante fazia relatório de visita com indicação de data e horário de sua realização. A reclamante realizava trabalhos internos em horário flexível. Via-a pela manhã ou tarde ou às vezes o dia todo. O mais comum é que a reclamante comparecesse à empresa diariamente. Não sabe se o gestor aprovava as programações de visita da reclamante.
Todas as testemunhas inquiridas nos autos afirmaram que havia uma agenda eletrônica em que eram lançados os compromissos diários e que o gestor tinha acesso a ela.
A testemunha ouvida a convite da própria reclamada disse que no relatório pós-vendas constam os horários de início e término da visita.
Em vista disso, reputo que se a reclamada tivesse interesse ela teria adotado formalmente o controle de ponto, vale dizer, não havia impossibilidade de controle da jornada. Para que a empregadora não se beneficie da própria torpeza, afasto o enquadramento da reclamante na exceção prevista no artigo 62, I, da Consolidação das Leis do Trabalho.
Por conseguinte, aplica-se o contido no procedente firmado pela Súmula 338, I, do E. Tribunal Superior do Trabalho, eventualmente limitada pela prova oral.
Esclareça-se, contudo, que a situação do trabalho em finais de semana na residência da reclamante não se confunde com a ausência de controle das jornadas efetivamente cumpridas. Tal alegação, por se tratar de fato constitutivo do direito postulado, deve ser comprovada pela parte autora (artigo 818 da Consolidação das Leis do Trabalho).
A respeito dos horários de trabalho, a prova oral registra que:
Reclamante: trabalhava de segunda a sexta-feira, das 8h00 às 19h00/19h30, com trinta a quarenta e cinco minutos de intervalo, exceto uma vez por semana que podia usufruir uma hora. Nos finais de semana trabalhava em casa.
Preposta: desconhece as jornadas de trabalho da reclamante, porque era flexível. A reclamada funcionava as 08h00min às 18h00min. Raramente os empregados permaneciam na empresa depois deste horário. A reclamante tinha intervalo de uma a duas horas, dependendo de sua própria vontade.
Testemunha SANDRO: o depoente laborava de segunda a sexta-feira, das 08h00 às 19h00, com uma hora de intervalo. Três vezes por semana almoçava com a reclamante. Pelo que percebia, todos tinham jornadas parecidas.
Testemunha MARIA ALICE: no mínimo oito horas de trabalho por dia. Questionada sobre o tempo máximo, disse que é difícil falar. Há situações em que o labor superou oito horas. Já almoçou com a reclamante. Não sabe dizer a frequência. A duração do intervalo variava de uma a duas horas. Não havia preocupação de voltarem para cumprirem horário, a não ser que tivessem compromisso agendado. Acontecia de ter menos de uma hora para refeição. Não havia orientação quanto aos horários a serem cumpridos.
Testemunha CLEONI (fl. 509): “o depoente laborava das 08h às 19h30, com intervalo que variava de 20/30/40 min., de segunda à sexta; 8) que a autora realizava horário idêntico ao do depoente”.
Não reconheço a prestação de serviços em finais de semana, porque a prova oral não confirma tal alegação.
Considerando os limites a seguir indicados, fixo que a reclamante cumpriu jornada de segunda a sexta-feira, das 8h30min (média da inicial) às 19h00 (testemunha SANDRO), com uma hora de intervalo durante três dias na semana (testemunha SANDRO), sendo que nos outros dois dias o intervalo era de quarenta minutos (confissão).
(…)
Intervalo intrajornada. A jornada adotada revela desrespeito ao intervalo em epígrafe, conferindo à parte reclamante o direito à percepção das horas extras correspondentes.
O artigo 71, § 4o, da Consolidação das Leis do Trabalho trouxe nova perspectiva à redução do intervalo destinado à refeição, porquanto instituiu a obrigatoriedade do pagamento correspondente de horas extras fictícias. Essa noção resultou confirmada no item III da Súmula n. 437 do E. Tribunal Superior do Trabalho, cujo conteúdo ressalta a natureza salarial da parcela.
A meu ver, essa classificação é incompatível com o pagamento integral do intervalo na hipótese de simples redução, defendido no item I da Súmula acima referida. Afinal, em se tratando de horas extras fictícias, e não de simples indenização decorrente da violação do repouso mínimo, é razoável que a rubrica correspondente esteja limitada ao tempo efetivamente reduzido.
(…)
Por todo o exposto, acolho parcialmente o pedido para condenar a reclamada a satisfazer: (a) horas extras além 44ª semanal; (b) adicional de horas extras sobre o tempo trabalhado além da 8ª hora diária, quando isto não implicar concomitante violação do limite semanal; (c) tempo reduzido do intervalo intrajornada, a título de horas extras; e, (d) intervalo previsto no artigo 384 da Consolidação das Leis do Trabalho, a título de horas extras.”
A autora requer a reforma da r. sentença que determinou o pagamento do tempo reduzido do intervalo intrajornada, alegando que deve ser aplicada a Súmula 437, item III, do C. TST.
Com razão.
A não concessão ou a concessão parcial do intervalo mínimo de uma hora implica o pagamento total do valor relativo ao período correspondente, com acréscimo de cinquenta por cento sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho, conforme entendimento consagrado na Súmula 437, I, do C. TST, “in verbis”:
“SÚM 437 INTERVALO INTRAJORNADA PARA REPOUSO E ALIMENTAÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 71 DA CLT (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 307, 342, 354, 380 e 381 da SBDI-1) – Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
I – Após a edição da Lei nº 8.923/94, a não concessão ou a concessão parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, a empregados urbanos e rurais, implica o pagamento total do período correspondente, e não apenas daquele suprimido, com acréscimo de, no mínimo, 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho (art. 71 da CLT), sem prejuízo do cômputo da efetiva jornada de labor para efeito de remuneração.”
Dessa forma, nos dias em que houve supressão (total ou parcial) do intervalo intrajornada, a recorrente faz jus ao pagamento integral do período correspondente (uma hora), porque não cumpre o intervalo sua finalidade higiênica, de pausa ao longo da jornada que permite ao obreiro alimentar-se e repousar para depois dar continuidade à jornada diária.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso para ampliar a condenação relativa ao intervalo intrajornada, deferindo o pagamento de uma hora extra por dia em que ocorreu a supressão total ou parcial do intervalo, observados os parâmetros fixados pelo Juízo de origem para as demais horas extras.
7. Despesa com veículo
Cita-se a r. sentença (fl. 534):
“A reclamante pede o ressarcimento das despesas decorrente do desgaste de seu veículo particular utilizado no trabalho, aduzindo que a reclamada somente pagava o combustível.
Vejamos.
Na própria petição inicial a reclamante confessa que era ressarcida pelo combustível gasto pelo veículo utilizado para o trabalho.
No que se refere ao pleito de indenização pelo desgaste do veículo, a questão deve ser resolvida de acordo com os preceitos contidos nos artigos 186 e 927 do Código Civil, segundo os quais a constituição da obrigação de indenizar depende da prova do dano experimentado, dentre outros.
Tratando-se de fato constitutivo do direito à reparação pretendida, incumbia à reclamante demonstrar sua ocorrência, consoante previsto no artigo 818 da Consolidação das Leis do Trabalho, do qual não se desincumbiu, na medida em que não comprova o custeio de despesas com manutenção do veículo que alega ter efetuado.
Rejeito.”
Aduz a autora que “restou incontroverso nos autos que a reclamada realizava o reembolso apenas de combustível, mas não reembolsava o desgaste do veículo” e que “a reclamante se utilizava de veículo próprio para o labor”. Alega que não deve arcar com despesas para desenvolver suas atividades, pois, com base no art. 2º da CLT, cabe ao empregador assumir os riscos da atividade econômica. Defende que a depreciação do veículo está implícita em sua utilização e, portanto, não depende de comprovação material. Afirma que “também incontroverso (visto que não impugnado pela reclamada), que a reclamante rodava em média 500 Km por mês, evidenciando que o desgaste do veículo era impactante.”. Requer a reforma da sentença a fim de que a ré seja condenada ao pagamento de indenização pelo desgaste do veículo, “no importe mínimo de R$0,70 (setenta centavos de reais) por Km/rodado mensalmente, ou pela via do arbitramento, a critério de Vossas Excelências”.
Com razão.
A autora alegou na petição inicial que durante todo o contrato de trabalho utilizou seu próprio veículo para realizar as atividades em favor da ré. Afirmou que a ré arcava apenas com a despesa com combustível, não reembolsando as demais despesas e desgaste do veículo. Disse que rodava, em média, 500 quilômetros por mês e pleiteou o pagamento de indenização pelo desgaste do veículo no valor de R$ 0,70 por quilômetro rodado (fls. 10-12).
A ré alegou em defesa que sempre reembolsou a autora conforme o “relatório de despesas” que era preenchido pela própria reclamante. Disse que o valor reembolsado englobava todos os custos (gasolina, manutenção, deterioração do veículo e eventual despesa com estacionamento). Sustentou que a autora não provou que rodava 500 quilômetros por mês e que não há qualquer cálculo ou parâmetro a ensejar o reembolso de R$ 0,70 por quilômetro rodado (fls. 175-176).
Nos temos do artigo 2º da CLT, é o empregador quem deve arcar com o ônus da atividade econômica. Inaceitável transferir ao empregado os riscos do empreendimento por força do disposto no artigo 2º da CLT, de sorte que, independentemente do que restou acordado no momento da contratação, se o empregado utilizou seu próprio veículo para o desempenho de suas funções, a empresa tem a obrigação de suportar todas as despesas efetuadas pelo empregado com o veículo, inclusive depreciação e manutenção, até para evitar o seu enriquecimento sem causa. Nesse sentido, já decidiu o TST:
“INDENIZAÇÃO PELO USO DE VEÍCULO PARTICULAR. PROVA. DESNECESSIDADE DE PREVISÃO CONTRATUAL. Prevalecendo no Direito do Trabalho o contrato-realidade sobre eventuais cláusulas contratuais, uma vez provada a utilização pelo obreiro de veículo próprio em serviço por ocasião das visitas a clientes, não é crível imaginar que esse fato se repetia sem o conhecimento do empregador, o que torna a prova desse uso fato suficiente para o reconhecimento do direito à indenização respectiva, independentemente de sua previsão, ou não, em cláusula contratual. Recurso de revista conhecido e não provido. (RR – 111000-46.2003.5.04.0007, Relator Ministro: Lelio Bentes Corrêa, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 03/06/2011).”
A propósito, cito o seguinte precedente desta Turma, autos TRT/PR: 03663-2013-673-09-00-9 (RO), relatora Exma. Desembargadora Federal do Trabalho Rosemarie Diedrichs Pimpão, publicado em 17.10.2014:
“A utilização de veículo particular do empregado para a realização de atividades de interesse do empregador, dentro da jornada de trabalho, assegura o direito à indenização a título de ressarcimento de despesas decorrentes do uso, da depreciação e manutenção do automóvel, por força do princípio segundo o qual a assunção dos riscos da atividade econômica é inerente ao empregador (artigo 2º, caput, da CLT).
Desnecessário o ajuste prévio ou a determinação do empregador para que o empregado utilize o veículo próprio, sendo suficiente que reste comprovada tal situação para que seja devida indenização o que, in casu, restou incontroversa.
Comprovada a utilização de veículo da autora em favor da atividade empresarial, a indenização a ser deferida deve ter como objetivo precípuo cobrir efetivamente todas despesas com utilização, manutenção, desgaste e depreciação do bem, de sorte que se tem como razoável o valor determinado na origem, motivo pelo qual deve ser mantido.”
No caso, restou incontroverso que a autora utilizava seu próprio veículo no desempenho de suas atividades em prol da ré e que a ré efetuava o pagamento do combustível.
Embora na contestação a reclamada tenha afirmado que ressarcia o valor do combustível e das despesas de depreciação conforme o relatório de despesas, verifico que tais documentos discriminam apenas a despesa com “veículo próprio” e, em alguns meses, “pedágio”, não sendo possível concluir, a princípio, que as despesas de depreciação estavam inseridas nesse pagamento.
Com efeito, analisando os relatórios de despesas constantes dos autos, observo que os valores pagos a título de “veículo próprio” eram relativamente baixos e variavam muito a cada mês (em março de 2009 foram pagos R$ 99,84 e, em setembro de 2011, R$ 493,08 – fls. 402 e 396), o que leva a crer que cobriam apenas a despesa com gasolina. Ademais, como a ré discriminava o valor relativo à despesa com pedágio, é possível concluir que se houvesse o pagamento de outras despesas, como exemplo, a despesa com desgaste e depreciação, esta também seria discriminada separadamente.
Não bastasse, nos meses em que houve o pagamento de “pedágios” a ré juntou os “recibos de pagamento de pedágio” apresentados pela autora para justificar o valor a ser reembolsado, o que reforça o convencimento deste Colegiado de que o valor pago a título de “veículo próprio” refere-se apenas às despesas com combustível, devidamente comprovadas pela autora através de recibos e/ou notas fiscais. Não fosse assim, a ré poderia ter apresentado as notas fiscais referentes às despesas com combustível, demonstrando que o pagamento a título de “veículo próprio” eram maiores que aqueles valores, englobando, portanto, a despesa com depreciação.
Via de consequência, as despesas de manutenção e depreciação, inerentes ao uso do veículo, devem ser indenizadas pelo empregador, porque é ele quem deve arcar com o risco da atividade econômica.
Por outro lado, não há como se acolher o pleito recursal na forma como requerido, pois além de não haver parâmetro para considerar que a despesa com o desgaste do veículo é de R$ 0,70 (setenta centavos) por quilômetro rodado, não há elementos nos autos comprovando quantos quilômetros, em média, a autora percorria por mês.
Assim, entendo razoável fixar o ressarcimento pelo desgaste do veículo em R$ 200,00 por mês. Nesse sentido, decisões recentes de minha relatoria nos autos 417-2013-653-09-00-0 (publicado em 10/10/2014) e 5806-2007-010-09-00-7 (publicado em 14/04/2015).
Reformo, para deferir o ressarcimento pelo desgaste do veículo, nos termos da fundamentação.
8. Honorários advocatícios
Entendeu o Juízo de origem (fls. 538-539):
“É indevida, em reclamações trabalhistas típicas, a condenação da parte vencida ao pagamento de honorários advocatícios, considerando a perpetuação da capacidade postulatória (jus postulandi) conferida pelo artigo 791 da Consolidação das Leis do Trabalho, que torna dispensável a contratação de advogado para a defesa dos direitos discutidos em juízo. Afinal, seria ilícito impor ao vencido o custeio de despesa que não decorre diretamente de sua ação ou omissão, porquanto instituída pela vontade exclusiva de seu adversário.
Esse é o entendimento consolidado nas Súmulas 219 e 329 de nossa E. Corte Superior, confirmado na Instrução Normativa 27/2005, cuja aplicação em nada foi alterada pelo artigo 133 da Constituição ou pelos artigos 389 e 404 do Código Civil, já que nenhum desses dispositivos revogou a capacidade postulatória outorgada a empregados e empregadores na Justiça do Trabalho.
Noutra senda, não há falar em reparação de danos, já que a opção exercida pela parte reclamante quebra o nexo de causalidade supostamente estabelecido entre a conduta da parte reclamada e a necessidade de contratação de advogado para a defesa de seus interesses neste Juízo.
Rejeito.”
A reclamante pugna pela reforma da sentença a fim de que a ré seja condenada ao pagamento de honorários advocatícios, com base no art. 133 da Constituição Federal, no art. 20, § 3º, do CPC, na Lei nº 4.215/63 e na Lei nº 1.060/50.
Sem razão.
Não se nega o direito de a parte contratar advogado particular para representá-la em Juízo. Todavia, porque se trata de uma faculdade do litigante, não é cabível a condenação pleiteada.
Em que pese o entendimento da recorrente, filio-me ao entendimento predominante no sentido de que na Justiça do Trabalho os honorários não são devidos às partes pelo princípio da sucumbência, conforme adotado na legislação processual civil, não se encontrando revogado o “jus postulandi”. Tal situação resta inalterada mesmo com a edição da Súmula 425 do E. TST, na medida em que tal dispositivo apenas limitou o “jus postulandi”, não o tendo extirpado, sendo ainda possível às partes litigar desacompanhadas de advogado.
Nesta Justiça Especializada, os honorários são devidos a teor do previsto na Lei 5.584/1970 e de acordo com as Súmulas 219 e 329 do TST, bem como da Orientação Jurisprudencial nº 305, da SDI-1, do C. TST, não havendo, assim, condenação em honorários advocatícios, nem mesmo a título de indenização por perdas e danos. A Lei 5.584/1970, recepcionada pelo artigo 133 da Constituição Federal de 1988, prevê o pagamento apenas de honorários assistenciais, os quais são devidos à entidade sindical que assiste o empregado em juízo, e desde que preenchidos os seguintes requisitos: assistência sindical e comprovação de que o empregado recebe salário igual ou inferior a dois salários mínimos ou, então, demonstrar, através de uma declaração, que não tem condições de demandar em juízo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família (artigo 4º da Lei 1.060/1950).
No caso em tela, a autora não foi assistida por sindicato (fl. 31), razão pela qual a condenação no pagamento dos honorários advocatícios é indevida.
Mantenho.
III – CONCLUSÃO
Pelo que,
ACORDAM os Desembargadores da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região,
por unanimidade de votos, CONHECER DO RECURSO ORDINÁRIO DA AUTORA e NÃO CONHECER DO RECURSO ORDINÁRIO DA RÉ. No mérito, por igual votação, DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO ORDINÁRIO DA AUTORA para, nos termos da fundamentação: a) deferir o pagamento como extras das horas excedentes à 8ª diária e 44ª semanal, de forma não cumulativa; b) ampliar a condenação relativa ao intervalo intrajornada, deferindo o pagamento de uma hora extra por dia em que ocorreu a supressão total ou parcial do intervalo; e c) deferir o ressarcimento pelo desgaste do veículo