O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes
A juíza Cláudia Longobardi Campana, da 16ª Vara Cível da Capital, condenou uma maternidade a pagar R$ 60 mil por danos morais aos pais de uma criança trocada no berçário. De acordo com o processo, quando o bebê chegou ao quarto para que a mãe amamentasse pela primeira vez, o pai ficou com dúvidas sobre a aparência da filha. O casal chamou a enfermagem e foi confirmada a troca, pois era um menino.
Em sua decisão, a juíza esclareceu que a troca de crianças na maternidade, mesmo sendo transitória, caracteriza dano moral. “Não se trata de mero aborrecimento. Certas as preocupações, aflições que os autores experimentaram na hora do fato e também posteriormente, eis que exame de DNA se perpetrou”, disse. Ainda de acordo com a magistrada, a quantia foi fixada “atenta às circunstâncias do fato e à capacidade das partes, observando que o equívoco lamentável foi passageiro, que o réu não negou o fato e se responsabilizou pelo exame de DNA”.
Cabe recurso da decisão.
Processo nº 1060865-41.2015.8.26.0100
SENTENÇA:
Relação: 0143/2015 Teor do ato: SENTENÇA Processo Digital nº: 1060865-41.2015.8.26.0100 Classe – Assunto Procedimento Ordinário – Indenização por Dano Moral Requerente: A. P. S. dos S. e outro Requerido: Hospital e Maternidade Santa Joana S/A Juiz(a) de Direito: Dr(a). Cláudia Longobardi Campana Vistos. Trata-se de ação de indenização por danos morais. Alega a autora, que em 29 de abril, foi firmado um contrato de prestação de serviços médicos e hospitalares, com a finalidade de internação para realização de parto. Afirma, que assim que alice nasceu foi mostrada aos pais e na presença deles a enfermeira solicitou que conferissem os dados das pulseiras que seriam colocados no bebê, após a confirmação dos autores, colocaram as pulseiras nos pulsos de Alice na presença de todos. Depois do parto, a autora foi encaminhada para o centro de recuperação pós cirúrgico e a filha foi levada para o berçário. Noticiaram, que por volta das 17 h 30 min, a mãe receberia a criança para a primeira amamentação, no apartamento n 522-A, de modo que deveriam providenciar as roupas do bebê para a primeira troca. O autor, devido à demora do berçário, entrou em contato para saber se poderiam levar as roupas da filha para a primeira troca. Recebeu informação no sentido de que deveriam aguardar novo contato da enfermeira do berçário. Passadas mais de duas ou três horas, sem que o berçário fizesse contato, o autor resolveu ir até lá para verificar a razão de tal demora. Alega, que ao chegar no berçário, verificou que duas senhoras comentavam que havia “algo de errado” pois uma delas tinha visto uma enfermeira trocar as pulseiras dos bebês, mas mas não tinham certeza quais seriam essas crianças envolvidas. O autor constatou que sua filha estava em berço com nome de outro bebê, questionou a enfermeira a razão de sua filha está em um berço de outra criança. Alega, que a enfermeira disse que não havia nenhum problema, mas que iria verificar. No entanto, o autor constatou que no berço realmente havia uma criança idêntica com a pulseira com os dados da sua esposa, mas teve dúvidas se aquele bebê , era de fato, a sua filha. Diante da dúvida, para evitar constrangimentos, o autor resolveu se manter calado e receberam a orientação para retornar aos respectivos quartos e aguardassem a chegada dos bebês. Porém as famílias não receberam seus bebês como havia prometido o berçário. Depois de muita persistência com a supervisora do berçário, o bebê foi levado ao quarto da esposa do autor. Entretanto, o autor, ainda possuía a suspeita de troca de bebês e percebeu que a criança que recebeu como sua filha não tinha os traços dela , suspeita essa que foi confirmada quando adentrou no quarto familiares de outra mulher com a mesma preocupação em relação a criança que tinham acabado de receber. O autor não teve dúvidas e solicitou a enfermeira presente no quarto que tirasse as roupas da criança para que todos verificassem o sexo. Quando a enfermeira abriu a fralda do bebê foi uma gritaria geral, pois era um menino. Logo após, os familiares da outra parturiente, Juvenice aparece com a filha dos autores nos braços e afirmaram que ocorreu a troca de bebês. Afirma, que Luciana, familiar da outra família, diz ter visto uma enfermeira ou assistente manipular as pulseiras dos pulsos dos bebês durante a primeira troca, assim Luciana solicitou à um funcionário do hospital que levasse a criança bem próxima ao vidro do berçário para fotografá-la novamente, foi confirmado através da fotografia que aquele bebê não era o filho de Juvenice e Alberto. Imediatamente Luciana comunicou o pai da criança sobre o ocorrido que acionou a supervisão do hospital. Os pais dos bebês envolvidos, procuraram a supervisora do réu e narrou o ocorrido. O hospital afirmou ser impossível a troca dos bebês, uma vez que existe um procedimento interno do hospital, segundo o qual a troca de pulseiras somente poderia ser realizada na presença dos pais da criança. Afirma, que a supervisora do hospital admitiu a troca de crianças.Noticia, que a direção do hospital, por sua vez, também não soube dar explicações conviventes sobre o ocorrido, aduzindo que a única solução para dissipar as dúvidas seria a realização de um teste de DNA. Depois de alguns dias, o exame de DNA confirmou que o bebê do sexo masculino que estava com os autores, era filho do casal Alberto e Juvenice e que a menina era filha dos autores. Alega, que o réu admitiu a troca de bebês e propôs às famílias envolvidas. Pede-se condenação do réu a reparação de danos morais, indenização no valor de R$ 90.000,00 para cada um dos autores com atualização monetária, requerem provar do alegado por todos os meios admitidos, especialmente pela oitiva de testemunhas. O réu contestou (fls 75/106), no mérito, alega, que o hospital réu passa por constante monitoramento, revisão e aprimoramento de técnicas, e que possui protocolos institucionais para garantir a correta identificação do paciente e reduzir ocorrência de incidentes. Afirma, que os recém nascidos são todos identificados no momento do nascimento com o registro da impressão plantar e impressão digital da mãe, bem como ocorre a coleta de sangue da mãe e do recém nascido no momento do parto e nascimento, para que possa servir de contraprova em casos de questionamento de maternidade. Afirma, que no caso dos recém-nascidos a identificação é feita pelo hospital mediante 4 pulseiras, sendo que 3 são colocadas no recém-nascido no momento do nascimento, 2 nos membros superiores (pulsos direito e esquerdo) e 1 no tornozelo. A outra pulseira idêntica a do recém-nascido é colocada no pulso da parturiente. Noticia, que na sala de parto as pulseiras são conferidas pela Equipe de enfermagem, e igualmente pelo acompanhante da paciente e própria paciente, que após leitura e confirmação dos dados, concedem o aceite para que as mesmas sejam colocadas. Alega, que protocolo da instituição determina que, em havendo necessidade de troca das pulseiras do recém-nascido a mesma deverá ser feita na presença dos pais, com a conferência do prontuário médico. Afirma, que Toda movimentação do recém-nascido dentro do hospital é monitorado. O caminho do recém-nascido entre o berçário e o quarto da mãe é feito dentro de berços de transporte por enfermeiras que possuem palm tops para conferir as informações das pulseiras do recém-nascido com os dados do prontuário da mãe. Noticia, que não foram os recém-nascidos amamentados por outra pessoa que não a mãe e que a enfermeira estava fazendo a conferência quando foi questionada pelo pais que perceberam características físicas diferentes de sua filhas, momento em que foi constatado o erro parcial na identificação de duas pulseiras, mas que, contudo, a pulseira do tornozelo trazia a identificação correta sendo então sanada a dúvida e de pronto a filha dos autores foi identificada e entregue ao casal. Houve réplica (fls.303/307). È o relatório . Fundamento e Decido A matéria é de direito e os documentos necessários estão nos autos, passo ao julgamento antecipado. Verte dos autos que nascida a filha dos autores, quando o bebê foi levado ao quarto para que permanecesse com sua mãe porém os pais desconfiaram de que não se tratava de sua filha e quando abriram a fralda, de fato, se tratava de um menino e não de uma menina. O réu descreveu todo o procedimento de segurança da maternidade, não negou o fato. Afirma que os bebês não foram amamentados por mães diversas e que o episódio foi rapidamente resolvido. Os autores são consumidores e da ré pessoa jurídica prestadora de serviços. Nesta toada, a ré responde objetivamente, nos moldes do que prevê o Código de Defesa do Consumidor, exceto se comprovadas excludentes da responsabilidade, que no caso, sequer foram alegadas. Decido com base na lei CDC- lei n° 8.078 de 11 de setembro de 1990 Art.14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e risco. § 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes. A ré não nega o evento, de forma que presente o requisito do nexo. No que s e refere ao dano, a troca mesmo transitória e por tempo escasso de crianças em maternidade caracteriza dano moral. Não se trata de mero aborrecimento. Certas as preocupações, aflições que os autores experimentaram na hora do fato e posteriormente eis que exame de DNA se perpetrou. Neste sentido já se decidiu: “..Cumpre consignar, que reclamar compensação por perturbações existenciais derivadas de troca de nenês não é um desvio ético do direito subjetivo de ação ( 5o, XXX, da CF), sendo inapropriado assemelhar os autores aos famigerados litigantes que se aventuram no Judiciário, visando o lucro fácil, com pedidos indenizatórios. O sofrimento sofrido não foi referente a simples “troca” de seus bebês, mas o sofrimento de afastarem-se da criança que tinham como filha, e, em terem sonhado um futuro auspicioso para seus descendentes,esforçando-se para dar a melhor criação, estudo, maneiras e afeto, e tal situação privilegia filho de outrem, podendo a criança trocada até mesmo não possuir um mínimo de condição social.( APELAÇÃO N° – 467.050- 4/9-00 , do Foro Regional do Jabaquara)”. Passo a arbitrar o valor da indenização. Atenta às circunstâncias do fato e à capacidade das das partes, observando que o equívoco lamentável foi passageiro e que o réus se responsabilizou pelo exame de DNA e que não negou o fato fixo a indenização em R$30.000,00 para cada autor. Posto isto, JULGO PROCEDENTE O PROCESSO para condenar o réu a pagar (R$60.000,00) R$30.000,00 a cada autor VALOR QUE DEVERÁ SER CORRIGIDO MONETARIAMENTE e acrescido de juros de 1% mensais desde a publicação desta sentença e JULGO EXTINTO O PROCESSO COM ANÁLISE DE MÉRITO NOS MOLDES DO ARTIGO 269, INCISO I DO CPC. O réu é sucumbente, arcará com as custas e despesas processuais e honorários advocatícios que fixo em 10% sobre o valor da condenação, acrescido de juros de 1% ao mês e corrigidos monetariamente desde a publicação desta sentença. PRIC São Paulo, 02 de setembro de 2015.