• A Fazenda do Estado sustentou não haver prova de torturas, não sendo possível presumir o dano moral

 A 6ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo condenou a Fazenda Pública Estadual a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 200 mil em razão de tortura e perseguição política durante o período da ditadura militar.

enhanced-24376-1412692737-10De acordo com a decisão, a autora permaneceu presa por longo período e foi torturada inúmeras vezes na tentativa de ser compelida a revelar fatos e delatar pessoas. Em razão do exílio, rompeu o contato com sua família pela perseguição que sofria, não podendo despedir-se de seus pais, que morreram enquanto ainda estava exilada.

A Fazenda do Estado sustentou não haver prova de torturas, não sendo possível presumir o dano moral, entre outros argumentos. No entanto, o relator do recurso, desembargador Sidney Romano dos Reis, entendeu que a documentação juntada ao processo e a prova testemunhal comprovaram que a autora permaneceu presa por muito tempo, presenciando atrocidades e sendo torturada. “Evidente a dificuldade em obter provas das agressões e perseguições sofridas, sobretudo em razão de terem sido perpetradas, em sua maioria, em locais sigilosos e protegidos pela confidencialidade. Não há, assim, dissenso quanto ao narrado, não cabendo qualquer discussão sobre o mérito da questão”, fundamentou.

Os desembargadores Reinaldo Miluzzi e Maria Olívia Alves também participaram do julgamento. A votação foi unânime.

FONTE: Notícias do Tribunal de Justiça de São Paulowww.tjsp.jus.br

Íntegra do Acórdão:

Apelação n. 9000048-60.2008.8.26.0053 Voto nº 23.969
Apelantes/Apeladas: Fazenda do Estado de São Paulo e M. D. de F.
Apeladas/Apelantes: M. D. de F. e Fazenda do Estado de São Paulo
Comarca: São Paulo
Magistrado sentenciante: Luis Felipe Ferrari Bedendi

Responsabilidade civil do Estado Danos morais Perseguição política durante o período da ditadura militar Ação julgada improcedente Recursos voluntários da autora e da ré. Em que pese o argumento da Fazenda de não haver comprovação suficiente do quanto alegado, é fato notório que os presos políticos, à época, eram submetidos a interrogatórios mediante tortura, com o fim precípuo de compeli-los a revelar fatos e delatar pessoas Evidente, ainda, a dificuldade em obter provas das agressões e perseguições sofridas Documentação acostada aos autos e prova testemunhal suficientes a comprovar as alegações.
Indenização fixada unilateralmente que não compensa os danos experimentados pela apelante quando jovem, e que trouxeram sequelas permanentes Dever de indenizar A indenização não pode ser nem excessiva, sob pena de constituir o enriquecimento sem causa do lesado, e tampouco ínfima, desmerecendo o abalo sofrido, além de servir de estímulo a novas práticas indevidas Valor ora fixado em R$ 200.000,00.
R. sentença parcialmente reformada Recurso voluntário da FESP desprovido e recurso da autora parcialmente provido.

1. Por r. Sentença de fls. 329/334, cujo relatório ora se adota, o MM. Juiz de Direito da 14ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de São Paulo, nos autos de Ação de Indenização por Danos Materiais e Morais proposta por Maria Diva de Faria contra a Fazenda do Estado de São Paulo, julgou parcialmente procedentes os pedidos, nos termos do artigo 269, I, do Código de Processo Civil, para condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 40.000,00, com correção monetária a partir da publicação da sentença (Súmula 362 do STJ) e juros moratórios, nos termos do art. 1º- F da Lei nº 9.494/97, a partir do pagamento administrativo da primeira parcela da indenização. Em face da sucumbência recíproca, cada parte arcará com as custas e despesas despendidas, bem como com os honorários de seus patronos, observada a gratuidade processual concedida à autora.

Inconformadas apelam as partes.
A Fazenda do Estado de São Paulo, com razões de fls. 337/340, alega, preliminarmente, prescrição. No mérito, aduz que não há nexo de causalidade ou demonstração do efetivo prejuízo experimentado. Por fim, que não há prova das mencionadas torturas, não havendo como se presumir o danos moral, além de vedação de cumulação de indenização pelo mesmo fundamento.
Por outro lado, apela a autora, com razões de fls. 350/358, pretendendo a majoração do quantum fixado para indenização, tendo em conta os prejuízos sofridos. Colaciona julgados. Requer também a alteração nos juros de mora e alteração da verba honorária..
Tempestivos os recursos, regularmente processados (fl. 360), com a apresentação de contrarrazões pela FESP (fls. 363/366) e da autora (fls. 368/379), subiram os autos.

É o relatório.

2. Comporta parcial reforma a r. Sentença recorrida.
Por primeiro, em se tratando de demanda assentada em supostos fatos ocorridos nos tristes anos do regime de exceção, especificamente a suposta submissão da autora a reiteradas sessões de tortura por agentes do Estado, não há se falar em prazo prescricional.
Há que se considerar que vige sobre o tema regra excepcional de matriz constitucional espelhada na imprescritibilidade dos crimes de tortura sendo certo que é de interesse da coletividade nacional inserta na Carta Cidadã de 1988 pelos constituintes que não se tolerará a prática da tortura e, em sendo assim, não somente a persecução penal se postergará indefinidamente no tempo, como também, decorrência lógica, também a reparação patrimonial das vítimas.
De mesmo modo, não se pode olvidar que a garantia de integridade física de qualquer custodiado é direito fundamental com amparo nos Direitos Humanos e sua violação no caso em apreço, sob a égide de regime de exceção, afasta a observância da regra do Decreto nº 20.910/32 porque voltado este a períodos de normalidade institucional.

Este, aliás, o entendimento pacífico do C. Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PERSEGUIÇÃO POLÍTICA. DITADURA MILITAR. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA. IMPRESCRITIBILIDADE. DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS. INAPLICABILIDADE DO ART. 1º DO DECRETO N. 20.910/32. REDUÇÃO DA VERBA INDENIZATÓRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7/STJ. DISPOSITIVOS DA LEI N. 10.559/2002. SÚMULA 211/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte é uníssona no sentido de que o julgador não está adstrito a responder todos os argumentos das partes, desde que fundamente sua decisão. 2. São imprescritíveis as ações de reparação de dano ajuizadas em decorrência de perseguição, tortura e prisão, por motivos políticos, durante o Regime Militar. Assim, desnecessária a discussão em torno do termo inicial da contagem do prazo prescricional. 3. A revisão do valor da indenização somente é possível quando exorbitante ou insignificante a importância arbitrada, em flagrante violação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o que não ocorreu nos presentes autos. 4. Hipótese em que foi fixado o montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a título de danos morais, após a análise das circunstâncias do caso concreto. Incidência da Súmula n. 7 do STJ. 5. É inviável o conhecimento do recurso quanto aos dispositivos da Lei n. 10.559/2002, não emitido juízo de valor na origem. Aplicação da Súmula n. 211/STJ. 6. Não configura contradição afirmar a falta de prequestionamento e afastar indicação de afronta ao artigo 535 do Código de Processo Civil, uma vez que é perfeitamente possível o julgado se encontrar devidamente fundamentado sem, no entanto, ter sido decidido à luz dos preceitos jurídicos desejados pela postulante. 7. Agravo regimental não provido. (AgRg no Ag 1337260/PR, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/09/2011, DJe 13/09/2011).

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL INDENIZAÇÃO REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS ATIVIDADE POLÍTICA PERSEGUIÇÕES OCORRIDAS DURANTE O PERÍODO MILITAR – NÃO-INCIDÊNCIA DA PRESCRIÇÃO QUINQUENAL ART. 1º DO DECRETO Nº 20.910/1932 IMPRESCRITIBILIDADE. INOVAÇÃO DE TESE EM AGRAVO REGIMENTAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. A jurisprudência desta Corte Superior é pacifica no sentido de que a prescrição quinquenal disposta no art. 1º do Decreto 20.910/1932 é inaplicável aos danos decorrentes de violação de direitos fundamentais, por serem imprescritíveis, principalmente quando ocorreram durante o Regime Militar, época na qual os jurisdicionados não podiam deduzir a contento as suas pretensões. 2. Por conseguinte, torna-se despicienda a análise em torno do momento inicial para a contagem do prazo prescricional da presente ação, tendo em vista que foi postulada a condenação da ora recorrente por danos morais decorrentes de violações dos direitos da personalidade ocorridos durante o período militar, que se revelam imprescritíveis. 3. Ademais, com relação ao pedido de anularse o acórdão recorrido em decorrência da declaração de inconstitucionalidade de norma legal realizada pelo Tribunal de origem (art. 1º do Decreto nº 20.910/32) por órgão fracionário, não há razão de ser no momento recursal em análise, pois tal argumento não foi suscitado no recurso especial, motivo pelo qual deixo de emitir pronunciamento sobre a questão por não ser possível inovar no âmbito de agravo regimental. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no Ag 1353470/PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/12/2010, DJe 10/12/2010)

Desse modo, impõe-se o afastamento do reconhecimento da prescrição. No mérito, melhor sorte não socorre a Fazenda do Estado apelante.
É de se salientar que, embora tenha a autora recebido R$ 39.000,00 (trinta e nove mil reais) da Fazenda do Estado a título de indenização pelos males sofridos em decorrência do movimento de repressão política, este recebimento não lhe tira o interesse de agir.
O valor foi fixado unilateralmente pelo Estado, e não é justo exigir que a pessoa que foi perseguida, torturada e exilada recuse a indenização oferecida para poder se socorrer do Judiciário.
O Estado de São Paulo, ao pagar indenização ao apelante, com fundamento na Lei Estadual n° 10.726/2001, reconheceu que a mesma foi vítima do período de ditadura e que sofreu danos decorrentes dos abusos contra ela perpetrados.
A documentação acostada aos autos é suficiente para comprovar o quanto alegado. Restou provado que a autora permaneceu presa por longo período, foi torturada inúmeras vezes, presenciando atrocidades, e que teve de se exilar, rompendo o contato com sua família em razão da perseguição que sofria, inclusive, não podendo se despedir de sua mãe e de seu pai, jamais voltando a reencontrá-los posto que faleceram enquanto encontrava-se presa e exilada, respectivamente.
No mais, em que pese o argumento da Fazenda de não haver comprovação suficiente do quanto alegado, é fato notório que os presos políticos, à época, eram submetidos a interrogatórios mediante tortura, com o fim precípuo de compeli-los a revelar fatos e delatar pessoas. Evidente, ainda, a dificuldade em obter provas das agressões e perseguições sofridas, sobretudo em razão de terem sido perpetradas, em sua maioria, em locais sigilosos e protegidos pela confidencialidade.
Por este motivo, aliás, há importante precedente desta Corte, da 12ª Câmara de Direito Público desta Corte, que, em 09 de maio de 2012, julgou, por unanimidade, a apelação nº 0003871-93.2011.8.26.0053, com voto condutor do Des. Edson Ferreira da Silva, do qual transcrevo, por pertinentes, as seguintes anotações: “A prisão da autora é, portanto, fato incontroverso. Contudo, como sói acontecer, não há provas que a autora alega ter sofrido. Comumente eram utilizadas técnicas de tortura que, não obstante o sofrimento físico e mental intenso, não deixaram marcas ou vestígios.
Todavia, constitui fato notório que os presos políticos eram todos submetidos a interrogatório mediante tortura, para constrangê-los a revelar fatos e a delatar pessoas. Muitos foram mortos e até hoje permanecem desaparecidos porque seus restos mortais ainda não foram encontrados” .Não se discute, portanto, a ocorrência dos fatos da forma como narrados pela autora, consistentes em perseguição, prisões, torturas, exílio e quebra da unidade familiar, já que o próprio Estado de São Paulo assim os aceitou ao conceder a indenização genérica, no processo administrativo nº 263.741/2002 (fl. 217). Não há, assim, dissenso quanto ao narrado, não cabendo qualquer discussão sobre o mérito da questão.
Devida, portanto, a indenização pleiteada, importando tratar, assim, somente do seu valor.
Evidente que a quantia fixada unilateralmente não compensa os danos experimentados pela apelante quando jovem, e que certamente trouxeram sequelas permanentes.
Com relação aos danos morais, YUSSEF SAID CAHALI leciona que, “multifacetário o ser anímico, tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-lo exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral” (“Dano Moral”, Editora RT, 3ª ed., fls. 20/22).
Nesse sentido, deve ser asseverado que, na questão atinente ao valor da indenização, as palavras de Sérgio Cavalieri Filho elucidam a questão no sentido de que “na fixação do quantum debeatur da indenização, mormente tratando-se de lucro cessante e dano moral, deve o juiz ter em mente o princípio de que o dano não pode ser fonte de lucro. A indenização, não há dúvida, deve ser suficiente para reparar o dano, o mais completamente possível, e nada mais. Qualquer quantia a maior importará enriquecimento sem causa, ensejador de dano novo”  Adiante, continua o autor com os critérios atinentes à fixação do valor no sentido de que “o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar um quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido,e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes”

Esta também a lição de MARIA HELENA DINIZ segundo a qual: “… na reparação do dano moral há ressarcimento, já que é praticamente impossível restaurar o bem lesado, que, via de regra, tem caráter imaterial. O dano moral resulta, na maior parte das vezes, da violação a um direito da personalidade: vida, integridade física, honra, liberdade etc. Por conseguinte, não basta estipular que a reparação mede-se pela extensão do dano. Os dois critérios que devem ser utilizados para a fixação do dano moral são a compensação ao lesado e o desestímulo ao lesante, inibindo comportamentos lesivos. Inseremse neste contexto fatores subjetivos e objetivos, relacionados às pessoas envolvidas, com a análise do grau da culpa do lesante, de eventual participação do lesado no evento danoso, da situação econômica das partes e da proporcionalidade ao proveito obtido com o ilícito. Em suma, a reparação do dano moral deve ter em vista possibilitar ao lesado uma satisfação compensatória e, de outro lado, exercer função de desestímulo a novas práticas lesivas, de modo a ‘inibir comportamentos antisociais do lesante, ou de qualquer outro membro da sociedade’, traduzindo-se em ‘montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que não se aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo”

Vale ressaltar, ainda, a posição jurisprudencial acerca da reparação por danos morais:

“A indenização, em caso de danos morais, não visa reparar, no sentido literal, a dor, a alegria, a honra, a tristeza ou a humilhação; são valores inestimáveis, mas isso não impede que seja precisado um valor compensatório, que amenize o respectivo dano, com base em alguns elementos como a gravidade objetiva do dano, a personalidade da vítima, sua situação familiar e social, a gravidade da falta, ou mesmo a condição econômica das partes. 5. Arbitrado sem moderação, em valor muito superior ao razoável, imperiosa a redução do valor devido à título de danos morais, dentro dos critérios seguidos pela jurisprudência desta Corte” (REsp. nº 239.973 RN, 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, v. un., Rel. Min. Edson Vidigal, em 16/5/00, DJU de 12/6/00, pág.129).

Nesse sentido, a jurisprudência deste Tribunal acerca da fixação do dano moral:

“DANO MORAL – Responsabilidade Civil – Fixação do valor – Montante que não pode ser irrisório, sob pena de não servir ao cumprimento de seu objetivo específico, nem pode ser excessivo, de modo a propiciar o enriquecimento sem causa – Redução da verba determinada – Recursos parcialmente providos (TJSP, Apelação Cível com Revisão n. 212.568-4/7-00 – São Paulo – 1ª Câmara de Direito Privado – Relator: Elliot Akel – 20.12.05 – V. U. – Voto n. 17.873).

DANO MORAL Responsabilidade civil Indenização Valor excessivo Redução Considerando a extensão do dano, a capacidade econômica das partes e as demais peculiaridades do caso concreto, a indenização deve ser reduzida para dez salários mínimos atuais, corrigidos e com juros contados de hoje, valor que alcança a reparação do dano em suas
duas vertentes, a compensatória (minimizando a angústia experimentada pelo jurisdicionado) e sancionatória (desestimulando o autor do ilícito a reincidir no ato danoso), sem constituir modo oblíquo de enriquecimento sem causa – Recurso da demandante improvido e provido, em parte, o recurso do demandado. (TJSP, Apelação Cível
n. 1.020.791-0/7 – Piracicaba – 35ª Câmara de Direito Privado – Relator: Artur Marques 03.07.06 – V.U. – Voto n. 11.427).

No mesmo sentido:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS MORAIS. PRISÃO ILEGAL. CABIMENTO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. VALOR EXCESSIVO. REDUÇÃO DA CONDENAÇÃO.
1. A indenização a título de danos morais deve ser estabelecida em termos razoáveis.
2. A indenização não pode ser instrumento de enriquecimento indevido. Contudo, deve ser suficiente para desestimular aquele que causou o dano, no sentido de que não venha a provocá- lo novamente.
3. Recurso especial provido. (STJ, REsp 334781 / PR, RECURSO ESPECIAL 2001/0089786-8, Relator(a) Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS (1094), Órgão Julgador T2 – SEGUNDA TURMA, Data do Julgamento 03/05/2005, Data da Publicação/Fonte, DJ 13/06/2005, p. 225).

E, ainda, em julgado desta Câmara em caso análogo ao presente, de danos sofridos em razão da perseguição política no período da ditadura militar:

CERCEAMENTO DE DEFESA. Não ocorrência. Parte que, instada, não postulou pela oitiva de testemunhas. Preliminar rejeitada. PRESCRIÇÃO. Ação de indenização por dano moral. Perseguição política durante a ditadura militar. Imprescritibilidade das ações. Precedentes da C. STJ e desta Corte. Preliminar rejeitada. INDENIZAÇÃO. Responsabilidade civil do Estado. Danos morais. Perseguição, prisão e tortura durante o regime militar. Comprovação da prisão no DOPS – É fato notório que a maioria dos presos políticos eram submetidos a tortura para revelação de fatos e delação de pessoas. Lesão ao direito da personalidade, com alteração do bem-estar psicofísico presente. Indenização devida. Adoção do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade para fixação da condenação. Recurso parcialmente provido. (Apelação 0026015 27.2012.8.26.0053, rel. Des. Reinaldo Miluzzi, j. 10/11/2014)

Por fim, oportuno ressaltar trecho do voto do Desembargador Ronaldo Andrade, da 3ª Câmara de Direito Público desta E. Corte, Relator da Apelação nº 0004135-81.2009.8.26.0053, em caso análogo ao presente, julgado em 15/05/2012, que adoto como razão de decidir o quantum da indenização:

“Nem se argumente que a gravidade do dano estaria nos dias atuais diminuída em razão do tempo decorrido entre a data da ocorrência do evento danoso e a data do pleito de indenização. A pungência da violência psicofísica experimentada pelo autor é dor que jamais arrefece e a lembrança em sua mente é sempre real é como se jamais tivesse cessado. Se um torturador (…) necessita de anos de sessões de análise para se reestabelecer psicologicamente, certamente o torturado jamais esquecerá, pois seu sofrimento será sempre atual, ainda que se submeta a anos de análise, aliás como deixa o autor transparecer logo no introito da petição inicial.

No tocante à intensidade da culpa do ofensor, nota-se que a ré não agiu de forma a evitar um dano, pelo contrário, mesmo tendo certeza de que a tortura e a perseguição política são atos ilegais e que atentam contra a dignidade da pessoa humana, perseguiu, prendeu e torturou o autor da demanda, tão somente porquê ele não concordava com as posturas ditatoriais do governo militar, atuando em protestos estudantis. A conduta do Estado de São Paulo foi deliberadamente conduzida para provocar danos ao autor, este comportamento vai além da culpa e caracteriza dolo, pois não se trata de mera imprudência ou negligência, mas conduta deliberada e acertada para a eclosão do dano.

No tocante à receptividade do autor, ora vítima, não restou demonstrado nos autos qualquer fator que a fizesse sofrer mais do que sofreria qualquer outra pessoa na mesma situação.
No tocante ao comportamento da vítima, nota-se que não contribui para a ocorrência do evento danoso e para o dano, uma vez que limitou-se a manifestar seu pensamento e a exercer a cidadania, pois embora o Estado impute ao apelante autor a prática de graves crimes de assalto a banco e à indústria de explosivos, inexiste qualquer prova neste sentido, o que se provado poderia diminuir muito o valor da indenização a ser fixada, pois não tornaria lícita a perseguição política, a prisão ilegal e a tortura.
Quanto ao comportamento da apelante Fazenda do Estado, embora tenha reconhecido publicamente seu erro, pouco fez para minorar os aspectos danosos de seu ato.
No tocante a condição sócio-econômica das partes, a apelante Fazenda do Estado apresenta melhores condições que a autor, uma vez que se trata do mais rico Estado da federação, tendo inclusive editado lei estabelecendo valor de indenização para as vítimas da ditadura militar, embora atribuindo pífio valor de indenização.”

Desta forma, considerando, de um lado, a razoabilidade e a proporção como critérios de mensuração da reparação e, de outro, a extensão dos danos sofridos e seus consequentes transtornos, efetivamente mostra-se desproporcional a quantia arbitrada na r. Sentença, impondo-se uma condenação em patamar mais consonante com o caso concreto.
Considerando as premissas acima delineadas e os casos análogos anteriormente julgados por esta Corte, de rigor a fixação da complementação da indenização em R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), visando minorar os transtornos suportados pela autora e, também, desestimular a conduta do Estado, valor que deverá ser corrigido a partir da data da sentença e acrescido de juros de mora desde a citação, nos termos da Lei Federal nº 11.960/09, até o julgamento da Repercussão Geral nº 810 pelo STF, observando-se que a modulação das ADIs 4.357 e 4.425 limitou-se ao regime dos precatórios expedidos.
Por fim, forçoso reconhecer a ocorrência de sucumbência recíproca na medida em que a autora restou vencida de parte substancial de seu pedido original, mais especificamente no relativo ao pedido de condenação no pagamento de indenização por dano material.
Desse modo, cada uma das partes arcará proporcionalmente com as custas e despesas processuais, bem como com os honorários de seus respectivos patronos, observada a gratuidade da Justiça de que beneficiária a autora. Destarte, é de ser parcialmente reformada a r. Sentença, para majorar a condenação da requerida ao pagamento de indenização por danos morais nos moldes acima estabelecidos, bem como para fixar juros de mora a partir da citação.
3. Posto isso, pelo meu voto, nego provimento ao recurso da Fazenda do Estado e dou parcial provimento ao recurso da autora.

Sidney Romano dos Reis
Relator

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