• É certo terem sido violados o direito de imagem, a privacidade e a intimidade do indivíduo, que foi retratado na frente de sua residência”. 

A 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve condenação da empresa Google Brasil a indenizar por danos morais um homem que apareceu na ferramenta Street View e não teve sua imagem “borrada” digitalmente, sendo possível reconhecer sua identidade.

Condenada a pagar indenização de R$ 7,2 mil a título de danos morais e multa de R$ 30 mil, a empresa apelou, alegando que o fato de ter sido fotografado não causou prejuízo à imagem do autor.

Ao julgar o pedido, o desembargador Luiz Antonio de Godoy negou provimento ao recurso e manteve a sentença. “É certo terem sido violados o direito de imagem, a privacidade e a intimidade do indivíduo, que foi retratado na frente de sua residência”. A multa foi imposta “ante a conduta recalcitrante da ré”, que somente em agosto de 2013 consertou o problema. A empresa afirmou que não havia recebido a URL da página, mas o desembargador julgou que, como ela sabia o endereço, poderia ter facilmente seguido a decisão judicial.

Os desembargadores Rui Cascaldi e Francisco Loureiro acompanharam o voto do relator.

Apelação nº 0016918-41.2012.8.26.0590

FONTE: Notícias do Tribunal de Justiça de SP – www.tjsp.jus.br

 

ACORDÃO:

RESPONSABILIDADE CIVIL – Dano moral – Provedor de internet – Identificação do autor em imagem gravada pela ré para utilização no serviço de localização “Google Street View” – Violação ao direito de imagem, à intimidade e à privacidade – Ferramenta de distorção da imagem que não funcionou – Falha do serviço verificada – Dano moral – Ocorrência – Multa diária devida – Ré que descumpriu a ordem judicial de descaracterização ou remoção da imagem do autor de forma reiterada – Existência, ademais, de mecanismos para cumprimento da determinação judicial, sem a necessidade de fornecimento da URL da imagem pelo autor – Redução do valor da multa indevida – Sentença mantida – Art. 252, do RITJSP/2009 – Recurso desprovido. Trata-se de apelação da sentença de fls. 326/333, em que foi julgada procedente “ação de indenização por danos morais com pedido de antecipação de tutela” (fls. 2) ajuizada por V. K. contra Google Brasil Internet Ltda., condenando esta no pagamento de indenização de R$ 7.240,00, a título de danos morais, bem como de multa no valor de R$ 30.000,00. Foram carreados à ré os ônus da sucumbência. Inconformada, apelou a vencida, alegando que o autor não teria informado o URL referente à imagem que pretenderia ver removida. Afirmou que “desenvolveu uma tecnologia de ponta para borrar os rostos e placas identificáveis dos veículos que porventura sejam fotografados” (fls. 346). Sustentou, também, ter sido disponibilizada uma ferramenta aos usuários para solicitação do efeito “borra” nas imagens. Aduziu, assim, ser indevida a multa aplicada, ante a impossibilidade técnica de cumprimento da determinação judicial.

Requereu, ainda, eventual redução do valor fixado na sentença. Alegou, também, não ter sido demonstrado o dano moral suportado pelo autor. Foi providenciado o recolhimento do preparo. Oferecidas contrarrazões, foram os autos remetidos a este Tribunal. É o relatório, adotado, quanto ao restante, o da sentença apelada. Examinados os autos, é certo que a sentença combatida trouxe adequada solução à questão em debate, merecendo ser integralmente confirmada. Como observado na sentença, “Na situação em apreço, a exposição da imagem do autor, da forma como destacada na inicial, ultrapassou o limite da ‘aldeia’, tomando potencial de divulgação para dimensão planetária, considerado o meio pelo qual exposta a parcela do cotidiano do autor, vale dizer, violou-se o direito à intimidade daquele, justamente por flagrá-lo em momento cotidiano, de surpresa, quando não ousava imaginar estar passível de apreensão por fotografia. Ninguém espera ficar aos olhos críticos do mundo por simplesmente colocar o lixo à porta” (fls. 330). É certo, também, que ” nem se diga que não dispõe a ré de meios para evitar a divulgação ou impossibilitar a identificação dos incautos retratados pela “inovadora ferramenta” GOOGLE STREET VIEW, tanto que nele, segundo a contestação, disponibiliza outra “ferramenta” ao usuário, para solicitar o chamado “efeito borra”, justamente para preservar a intimidade dos que não partilham do mesmo entusiasmo com a ideia da exposição digital da própria imagem (fl. 126)./O fato de haver tal ferramenta, para uso dos usuários e iniciados em informática e, creiam, há os que não são devotos da tecnologia digital, padecendo para utilizar tais recursos -, apenas comprova que, se houvesse alguma cautela prévia à divulgação das imagens captadas, toda a celeuma não ocorreria, daí porque o argumento da falta de informação prévia por parte do autor, quanto à retratação não autorizada, não colhe em favor da ré o resultado almejado” (fls. 330/331). Se isso não bastasse, não há dúvida da ocorrência de falha do serviço, já que, mesmo tendo a ré desenvolvido uma tecnologia capaz de distorcer o rosto e placas de veículos das imagens captadas, como afirmado por ela própria nas razões de apelação (fls. 346), nota-se que, in casu, tal ferramenta não funcionou (fls. 15/16). Assim, tendo a imagem do autor permanecido gravada, com possibilidade de sua identificação (sem utilização de qualquer ferramenta de “borra”), em frente à sua residência, por longo período de tempo, é certo terem sido violados o direito de imagem, a privacidade e a intimidade. Restou,pois, evidente o dano moral por ele suportado. Aliás, em hipótese assemelhada, esta mesma Câmara já decidiu no seguinte sentido: “Responsabilidade civil. Provedor de internet. Serviço de localização (google maps), com precisão de imagens tomadas na rua (street view). Indevida individualização do autor, defronte à sua casa. Vulneração a direito essencial de imagem e privacidade. Omissão no recurso de borra. Falha do serviço. Indenização devida e, no caso, consideradas as condições pessoais do autor e os fatos em que envolvido, bem arbitrada. Sentença mantida. Apelação desprovida” (Apelação nº 0017733-10.2013.8.26.0006 – São Paulo, 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, v.un., Rel. Claudio Godoy, em 3/3/15). Por fim, ante a conduta recalcitrante da ré, não se há de cogitar, tal como reconhecido no decisum, de afastamento da multa aplicada, na medida em que a ordem judicial no sentido de que descaracterizasse ou removesse a imagem do autor (fls. 114) foi por ela reiteradamente descumprida. Com efeito, “a ré recusou o cumprimento, de modo renitente, sem lograr efeito suspensivo em nenhum de seus recursos processuais, comprovando apenas em 07/08/13 o cumprimento da ordem judicial (fls. 284/285)” (fls. 331), tendo sido corretamente fixada a multa no valor de R$ 30.000,00. Tenha-se em mente que “A função das astreintes é vencer a obstinação do devedor ao cumprimento da obrigação, e incide a partir da ciência do obrigado e da sua recalcitrância” (Resp nº 679.048/RJ, 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, Rel. Min. Luiz Fux, em 3/11/05, DJ 28/11/05, pág. 204). E nem mesmo há como acolher a alegação da ré de impossibilidade técnica de cumprimento da determinação judicial, já que, conforme decidido por ocasião do Agravo de Instrumento n° 0187588-39.2012.8.26.0000 (fls. 172/173), “Embora não conste a URL da imagem que se pretende excluir, há a indicação do endereço do local (fls. 36), de sorte que, por meio do próprio mecanismo do Google Maps, é possível que a agravante localize a página eletrônica e a remova” (fls. 173). Em suma, nos termos do art. 252, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ratificam-se os fundamentos da sentença recorrida, ora mantida por revelar-se suficientemente motivada. É essa, inclusive, a orientação do Superior Tribunal de Justiça: “PROCESSUAL CIVIL. ACÓRDÃO PROFERIDO EM EMBARGOS DECLARATÓRIOS. RATIFICAÇÃO DA SENTENÇA. VIABILIDADE. OMISSÃO INEXISTENTE. ART. 535, II, DO CPC. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. 1.Revela-se improcedente suposta ofensa ao art. 535 do CPC quando o Tribunal de origem, ainda que não aprecie todos os argumentos expendidos pela parte recorrente, atém-se aos contornos da lide e fundamenta sua decisão em base jurídica adequada e suficiente ao desate da questão controvertida. 2.É predominante a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça em reconhecer a viabilidade de o órgão julgador adotar ou ratificar o juízo de valor firmado na sentença, inclusive transcrevendo-o no acórdão, sem que tal medida encerre omissão ou ausência de fundamentação no decisum. 3.Recurso especial não-provido” (REsp. nº 662.272 RS, 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, v. un., Rel. Min. João Otávio Noronha, em 4/9/07, DJ de 27/9/07, pág. 248). “CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. ACÓRDÃO. FUNDAMENTAÇÃO. INSPIRAÇÃO. DECISÃO. ANTERIOR. POSSIBILIDADE. OMISSÃO.

 1. A Corte a quo manifestou-se pela confirmação integral da sentença monocrática, ratificando todos os seus fundamentos, de modo que restou absorvido pelo aresto o fundamento de que a anterioridade deve ser observada a partir da Medida Provisória 368/93. 2. Não se configura desprovido de fundamentação, tampouco omisso, o julgado que repete fundamentos adotados pela sentença, com sua transcrição no corpo do acórdão. Precedentes. 3. Recurso especial improvido” (REsp. nº 641.963 ES, 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, v. un., Rel. Min. Castro Meira, em 8/11/05, DJ de 21/11/05, pág. 182). Nessas circunstâncias, nega-se provimento ao recurso.

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